29/07/2014
Além de o filme ser inédito no Paraná, o título chama atenção não apenas pela tenuidade gerada a partir da interrogação, mas insere também a forma como o país ainda lida com a visão estereotipada dos indígenas. Contudo, instiga a curiosidade do expectador sobre o que será tratado durante quase uma hora de exibição. Em formato média-metragem, Índio Cidadão?retrata de maneira pontual e extremamente fiel, a realidade sobre o que de fato tem ocorrido com as comunidades indígenas no Brasil, ao inserir o movimento indígena como papel principal do enredo e tendo como pano de fundo a Constituição Federal.
“A ideia inicial do filme era fazer o balanço dos 25 anos de direitos constitucionais indigenistas, mas 2013 foi um ano de mobilizações históricas em Brasília. A Ocupação do Plenário da Câmara dos Deputados no Abril Indígena foi simbólico, mas o registro inesquecível do filme foi a Mobilização Nacional Indígena em Defesa dos Direitos Constitucionais realizada em Brasília no mês de outubro pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A quantidade de Nações representadas com a força de suas culturas e línguas, com sua diversidade unida pela defesa dos direitos; em contraponto, a impressionante operação de segurança pública isolando o Congresso Nacional no 25º aniversário da redemocratização”, afirma o diretor do filme, Rodrigo Siqueira.
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Para quem desconhece o tema ou tem curiosidade em saber e conhecer o enfrentamento diário das comunidades indígenas do Brasil em relação aos direitos constitucionais e ainda sobre as ações inconstitucionais do Governo Federal, Índio Cidadão? é o filme que sintetiza de forma clara e acessível o que a mídia e o interesse governamental articulam estrategicamente para não se tornar conhecimento da nação.
O filme será exibido em Curitiba na data alusiva ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, 09 de Agosto. E naturalmente, em todo o Brasil diversas outras ações culturais e políticas ocorrem paralelamente para chamar a atenção da sociedade sobre os casos de crueldade e inconstitucionais, lastimavelmente enfrentados pelas famílias indígenas no país.
Leia abaixo a entrevista exclusiva realizada pela Arpin Sul via e-mail com o diretor do filme índio Cidadão?, Rodrigo Siqueira.
ENTREVISTA
Arpin Sul – Índio Cidadão?retrata a atual situação sobre a qual as comunidades indígenas do Brasil têm vivenciado em relação as inconstitucionalidades do Governo Federal a partir do respaldo dos depoimentos de lideranças que também vivenciaram situações similares ao longo das décadas. Como foi o seu contato com a questão indígena até chegar ao resultado deste filme?
Rodrigo Siqueira – Em 2008 foi a primeira vez que me coloquei a serviço da causa. Tive a honra de atuar como assessor jurídico da Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental em demanda contra o Governo Federal, apresentada ao Tribunal Latino-Americano da Água em sessão de julgamento na Guatemala. Naquele ano a licença de instalação do Complexo Hidroelétrico do Rio Madeira foi concedida pelo IBAMA, causando embate entre as ministras Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente e Dilma Roussef da Casa Civil. Um grupo indígena em isolamento voluntário habitava a área de impacto prevista no projeto do mega-empreendimento do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), com registros comprovados pela FUNAI. A questão indígena no Brasil é fundiária e os grandes conflitos de interesse, desde então, estão em torno dos projetos oficiais de infraestrutura energética e expansão da fronteira agrícola direcionada ao Agronegócio tipo exportação, inclusive em terras tradicionais reconhecidas em processos demarcatórios – sendo o caso mais urgente o atual genocídio Kaiowá no Mato Grosso do Sul. A construção de hidrelétricas terá impactos ambientais e socioculturais imprevisíveis: em estágio avançado estão as duas no rio Madeira, também a exaustivamente contestada UHE Belo Monte no rio Xingu e agora o Complexo Hidroelétrico Tapajós pede passagem. O caso do Tapajós é impressionante, pois não foi cumprida a consulta da Convenção 169 da OIT e ocorreram ações coercitivas do Estado no território da Nação Munduruku, inclusive com a denúncia de execução de Adenilson Munduruku em operação da Polícia Federal de 2013 – apresentada recentemente pelo Ministério Público Federal. Percebi que as resistências coletivas ou jurídicas não seriam mais capazes de conter as violações dos direitos constitucionais das Nações Indígenas e a realização do filme surgiu como projeto de criar ferramenta de comunicação em massa capaz de revelar para a sociedade a “visão dos vencidos”.
Arpin Sul – Você acompanhou situações pontuais e históricas onde o movimento indígena se mobiliza a favor dos seus direitos. Dos momentos registrados por você, pessoalmente, quanto não indígena, qual foi o mais marcante e o motivo?
Rodrigo Siqueira – O roteiro do filme partiu da Constituinte, momento histórico para a democracia no Brasil pela superação do Estado de Exceção imposto durante os 21 anos de ditadura militar. Os Povos Indígenas tiveram participação marcante na reformulação do Estado Democrático de Direito pactuado naquela Assembleia Nacional, valendo-se de mecanismos de participação social. Acredito que é um serviço resgatar a participação direta dos cidadãos originários, por intermédio da União Nações Indígenas, na elaboração da Constituição Federal. É a tentativa de esclarecer muitos brasileiros que atualmente o Movimento Indígena reivindica apenas a observância de direitos conquistados com muita mobilização social e articulação política, resultado direto da Emenda Popular redigida e apresentada por seus representantes para deliberação pelo Congresso Nacional e seguinte incorporação na Carta Magna. A ideia inicial do filme era fazer o balanço dos 25 anos de direitos constitucionais indigenistas, mas 2013 foi um ano de mobilizações históricas em Brasília. A Ocupação do Plenário da Câmara dos Deputados no Abril Indígena foi simbólico, mas o registro inesquecível do filme foi a Mobilização Nacional Indígena em Defesa dos Direitos Constitucionais realizada em Brasília no mês de outubro pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A quantidade de Nações representadas com a força de suas culturas e línguas, com sua diversidade unida pela defesa dos direitos; em contraponto, a impressionante operação de segurança pública isolando o Congresso Nacional no 25º aniversário da redemocratização. O Movimento Indígena foi o único grupo de interesse presente na Constituinte obrigado a retornar na data de promulgação da Constituição, clamando pelo arquivamento de uma série de Propostas de Emenda Constitucional e Projetos de Lei que pretendem revogar ou reduzir direitos negados por séculos e vigentes há apenas 25 anos. Sem dúvida o ponto mais marcante foi a entrevista da liderança da Aty Guasu, Valdelice Veron, com a chocante narrativa testemunhal do processo histórico de despojo e assassinatos impostos a sua Nação Kaiowá. O tema do genocídio Kaiowá me impôs a obrigação de adaptar o roteiro do filme para dar maior visibilidade a este crime de lesa humanidade. O Governo se omite e a maior parte da sociedade desconhece ou prefere ignorar, afinal, em muitas regiões do Brasil o dito “índio bom é índio morto” ainda se pronuncia em tom de seriedade.
Arpin Sul – Em algumas cenas, é possível perceber que a assessoria de alguns parlamentares optou pela não gravação de determinadas reuniões com lideranças indígenas. Como você avaliou essa situação no processo de filmagem do projeto? Prejudicou na totalidade?
Rodrigo Siqueira – Conseguimos documentar o processo de participação de lideranças indígenas da APIB no Grupo de Trabalho (GT) Questão das Terras Indígenas no Congresso Nacional, criado pelo presidente da Câmara dos Deputados após o ato de ocupação do Plenário Ulysses Guimarães no Abril Indígena 2013. As cenas que menciona retratam duas reuniões de parlamentares e representantes indígenas do GT na Presidência da Casa, sendo procedimento padrão da Assessoria de Comunicação do presidente Henrique Alves (PMDB/RN) permitir apenas o breve e protocolar registro dos encontros. Depois, se desenrolam apenas com a presença de fotojornalista, com a justificativa de que “fotógrafo não fala”. Talvez os políticos mantenham a cautela por ainda recordar o uso do gravador feito pelo Mario Juruna, liderança Xavante que assim provava as falácias dessas promessas entre quatro paredes. Eu avalio como uma conduta moral equivocada da Presidência, mas não prejudicou o roteiro do filme. Pelo contrário, penso que as cenas exercem um impacto e funcionam como uma crítica ao ‘protocolo’ de recebimento das delegações indígenas em Brasília: portas que se fecham.
Arpin Sul – Existe um ponto, ou foi um processo natural a criação de Índio Cidadão??
Rodrigo Siqueira – O ponto central é a visão originária da breve história de direitos constitucionais indigenistas no Brasil, com o paralelo de 25 anos entre a conquista da inclusão dos direitos originários sobre as terras tradicionais na Constituição Cidadã e o estágio de real efetivação desta garantia legal básica no ano de filmagem – 2013. Quando digo visão originária é referência a narrativa conduzida exclusivamente pelos relatos de memórias e atuação política de lideranças do Movimento Indígena nacional, representado pela União das Nações Indígenas na Constituinte e de forma contemporânea pela APIB. O objetivo sempre foi a veiculação em emissoras de televisão, por acreditar que as lutas históricas, as vozes e os pensamentos de mulheres e homens de diferentes gerações e Povos precisam chegar ao grande público. É incrível o poder de alcance das mídias de massa, somente na estreia no dia 19 de abril, na TV Câmara, foi estimada audiência de 160.000 mil telespectadores nas 15 maiores regiões metropolitanas do país. É fantástico para o realizador alcançar esta marca em apenas uma exibição. Arrisco dizer que o nosso filme é um dos poucos a assegurar o direito de contraditório aos Povos Indígenas, durante 1 hora de programação, diante da crítica conjuntura atual de retrocesso em garantias e violação de direitos humanos básicos. As Nações Indígenas ainda enfrentam muito preconceito no país, de forma geral os índios são tratados com xenofobia pelos seus compatriotas. Pouco se conhece da diversidade dos mais de 300 Povos Originários auto-declarados, remanescentes do genocídio que ainda não cessou. As matérias de jornalismo não favorecem a participação indígena na construção dos fatos noticiados e na televisão não tem cota pra índio. Tivemos sucesso no ponto central, mas ainda há muito trabalho para seguir com a distribuição do filme, formação de público e fomento ao debate.
Arpin Sul – Desde o início da exibição do filme, tanto em salas de cinema quanto em TVs, como tem sido a repercussão entre os ativistas que atuam junto ao movimento indígena e na mídia de massa?
Rodrigo Siqueira – O ÍNDIO CIDADÃO? reverberou bastante com a sequência de exibições na TV Câmara, entre os dias 19/04 e 07/05/2014, obtivemos retorno positivo em nossos canais de comunicação nas redes sociais. As exibições em mostras de cinema temáticas aconteceram em João Pessoa/PB, Natal/RN e Brasília/DF, entre abril e junho, sempre seguidas de bons debates. Os ativistas e organizações indigenistas que apóiam o Movimento Indígena se valeram do filme para fazer exibições e promover debates em espaços de formação. Não tivemos mídia espontânea nos meios de massa, algumas matérias repercutiram pelo bom trabalho de mobilização e comunicação social realizado pelos parceiros do Coletivo Muruá e da Padê Produções – tivemos notas publicadas em jornais, revista e sites; uma matéria no Brasil de Fato, mas nenhuma entrevista. Também estou muito satisfeito com a apropriação do filme pelo Movimento Indígena, com sua utilização para gerar o debate em encontros e assembleias em diferentes regiões do país. Em breve deverá ocorrer novo ciclo de exibição na TV Câmara e fico confiante de que o filme integrará o circuito de mostras e festivais de cinema no Brasil. Estou focado na missão de aumentar a repercussão do filme como ferramenta de apoio ao Movimento Indígena nesta conjuntura política na esfera federal, em especial com o Poder Executivo e o Congresso Nacional. O outro compromisso é difundir a narrativa testemunhal que denuncia o genocídio indígena em curso no estado do Mato Grosso do Sul.
Arpin Sul – Quais as dificuldades que vocês têm enfrentado atualmente no âmbito da pós-produção?
Rodrigo Siqueira – O filme foi realizado com patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura do DF no edital de curta-metragem, sendo finalizado em 52 minutos de duração em razão da riqueza do material de arquivo e da importância da documentação do Abril Indígena 2013 e da Mobilização Nacional em outubro passado. O formato de 52 minutos é classificado no mercado brasileiro como média-metragem. Isto lhe torna interessante para as emissoras de televisão, pois preenche uma hora da grade de programação. Por outro lado, o circuito de festivais e mostras de cinema no Brasil e no exterior são direcionados para as produções de curtas e longas. O maior desafio agora é abrir novas janelas para a exibição do filme no Brasil, com a pretensão de atingir a opinião pública com uma contraofensiva ao modelo propagandista do Agronegócio e aos discursos de ódio e xenofobia – “índios paraguaios” – praticado inclusive por deputados ruralistas no exercício do mandato parlamentar.
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SERVIÇO
Índio Cidadão?
Local: Cinemateca de Curitiba
Endereço: Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 – São Francisco
Data: 09 de agosto
Horários: 18h e 20h
ENTRADA GRATUITA
ASCOM ARPIN SUL – ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DA REGIÃO SUL