08/10/2020
Dezoito delas assinam “Mulheres Quilombolas: territórios de existências negras femininas”, da editora Jandaíra; entre os temas que apontam como “pouco divulgados e discutidos na mídia” estão o ambiente, a educação e a mobilização nas comunidades
Elas são maioria nos territórios quilombolas, lideram as organizações comunitárias e são guardiãs dos saberes tradicionais. No entanto, as mulheres quilombolas sofrem o racismo estrutural de forma ainda mais dura em comparação aos homens. Pela primeira vez, as vozes delas estão reunidas no livro “Mulheres Quilombolas: Territórios de existências negras femininas” (editora Jandaíra), organizado por Selma dos Santos Dealdina, pelo Selo Sueli Carneiro, coordenado pela filósofa Djamila Ribeiro.
A publicação ratifica a ideia de que, quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta. O selo que homenageia Sueli Carneiro tem a coordenação de Djamila, que, por sua vez, convidou Selma, que convocou outras mulheres quilombolas. “Sueli é um referencial na luta das mulheres negras, um baluarte para nós”, diz Selma. O lançamento será no dia 24, mas a obra já está disponível na pré-venda.
A apresentação é feita pela professora e pesquisadora Nilma Lino Gomes e a orelha é assinada pela jornalista Flávia Oliveira, duas mulheres que nasceram em territórios quilombolas. Nilma é professora universitária, foi a primeira reitora negra brasileira e ministra da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Flávia Oliveira assina coluna no jornal O Globo. “Desejo que as pessoas conheçam as narrativas de mulheres quilombolas”, diz ela. “Elas estão na academia, roça. São vereadoras, vice-prefeitas, estudantes, trabalhadoras no campo.”
O convite para a produção do livro foi feito em 2017 por Djamila e, de imediato, Selma externou o desejo de que fosse uma obra coletiva. “Aceito com a condição de convidar outras mulheres negras”, disse. A publicação reflete a produção intelectual de mulheres quilombolas. Muitas delas conquistaram lugares nas universidades: “Não tem possibilidade de falar da luta das mulheres sem citar a vitória na academia, mas também dos desafios, como o enfrentamento da violência doméstica”.
Selma dos Santos Dealdina é do quilombo Angelim III, Território do Sapê do Norte, no Espírito Santo. Sua obra aborda diferentes eixos temáticos, dos processos de regulamentação fundiária à educação, passando pela mobilização nas comunidades e pelo ambiente. As mulheres quilombolas têm papel fundamental na produção agrícola em seus territórios e, por meio delas, as práticas agroecológicas são repassadas por gerações.
Selma fala do papel das mulheres na preservação dos territórios. (Foto: Reprodução/Conaq)
No capítulo assinado por Selma, ela destaca que os quilombos representam projeto de partilha e construção de um território, de compartilhamento de acesso aos bens, em especial à terra. Relata a consolidação de direitos da Constituição de 1988 e o processo de criação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq). Os números demonstram a lentidão no processo de regularização dos territórios quilombolas. Ao todo são 6 mil quilombos em todas as Unidades da Federação.
Desses quilombos, 3.386 foram certificados pela Fundação Cultural Palmares, mas apenas 181 territórios foram titulados: 139 por governos estaduais, 39 pelo governo federal e três pelos governos federal e estaduais, em conjunto. No entanto, há 1.691 processos abertos para regularização no Instituto Nacional de Colonização para Reforma Agrária (Incra). “A violência marca a disputa de interesses sobre os territórios, com mortes, ameaças, afastamento das lideranças do quilombo, restrições de direitos, entre outras consequências”, escreve Selma.
Ao descrever o processo de resistência ela fala do papel delas na preservação da história:
— Nós, mulheres quilombolas, temos um papel de extrema importância nas lutas de resistência, pela manutenção e regularização dos nossos territórios. No quilombo ou na cidade, temos sido as guardiãs das tradições da cultura afro-brasileira, do sagrado, do cuidado, das filhas e filhos, das e dos griôs, da roça, das sementes, da preservação de recursos naturais fundamentais para a garantia dos direitos.
Saiba um pouco mais sobre Selma no podcast Pandemia nos Quilombos.
O livro analisa a violência doméstica sofrida pelas mulheres quilombolas como Francisca Chagas, quilombola de Joaquim Maria, no Maranhão, assassinada em 2016, e de Maria Trindade, do Quilombo Moju, no Pará, assassinada em 2017. Aponta que mulheres quilombolas em posição de liderança têm vivido sob perseguição política, ameaças de morte e processos criminais ilegítimos com o objetivo de intimidar sua luta. Maria Aparecida Mendes relata a luta contra a violência doméstica e a luta comunitária de mulheres quilombolas em Conceição das Crioulas em Pernambuco.
A publicação, que retoma a realização do I Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas, atende à lei 10.639 e deve constar de material de pesquisa para universidades, bibliotecas e escolas. “A ideia que seja ferramenta para pesquisa”, diz a organizadora.
Mulheres quilombolas: Territórios de existências negras femininas
Lançamento: 24 de outubro
Organizadora: Selma dos Santos Dealdina
Autoras: Amária Campos de Sousa, Ana Carolina Araújo Fernandes, Ana Cleide da Cruz Vasconcelos, Andreia Nazareno dos Santos, Carlídia Pereira de Almeida, Dalila Reis Martins, Débora
Gomes Lima, Gessiane Nazário, Givânia Maria da Silva, Maria Aparecida Mendes, Maria Aparecida
Ribeiro de Sousa, Mônica Moraes Borges, Nilce de Pontes Pereira dos Santos, Rejane Maria de
Oliveira, Sandra Maria da Silva Andrade, Selma dos Santos Dealdina, Valéria Pôrto dos Santos,
Vercilene Francisco Dias
Páginas: 168
Selo: Sueli Carneiro
Preço: R$ 48
| Márcia Maria Cruz é jornalista. |
Foto principal (Reprodução/Olhares Podcast): mulheres quilombolas preservam o ambiente e lutam em Brasília