26/04/2019
Em consonância com as discussões realizadas durante o Seminário Regional,
realizado de 02 a 05 de abril na UFVJM – Campus JK, o Observatório dos Vales e do
Semiárido Mineiro vem manifestar publicamente posição de indignação e repúdio frente
aos procedimentos que tem sido adotado no âmbito do chamado “Projeto Serro”, em
discussão no município de Serro, Minas Gerais.
O Projeto Serro
O “Projeto Serro” refere-se a proposta de empreendimento minerário pertencente
ao Grupo Herculano Mineração. A área prevista para a mineração localiza-se a cerca de
cinco quilômetros da sede do município, na Serra do Condado – Fazenda Céu Aberto,
estando muito próximo de áreas de preservação permanente (inclusive do Parque Estadual
Pico do Itambé – 5,66 km) e atingindo, potencialmente, as bacias do rio do peixe (que
abastece o município de Serro) e do rio Guanhães. O escoamento do minério será feito
através da estrutura viária existente, com centenas de caminhões/carretas por dia, que
sobrecarregarão o trânsito nas estradas que cercam a cidade, ampliando os riscos de
acidentes graves.
Mas, dentre os perigos apontados acerca do empreendimento, o mais grave e
preocupante para o município diz respeito à segurança hídrica. Existem estudos que
demonstram a probabilidade de rebaixamento do lençol freático local, o que afetará a
bacia do rio do peixe, que abastece a cidade. Além disso, existe o risco de contaminação
da água do rio do peixe com a poeira do minério, considerada a direção dos ventos na
cidade e a localização da mina.
Deve-se ressaltar, ainda, que o projeto desconsidera os direitos da Comunidade
Quilombola de Queimadas, que está na área de influência direta do empreendimento.
Os procedimentos para licenciamentos
É importante destacar que a mesma área já foi objeto de deliberação pelo Conselho
Municipal de Meio Ambiente (CODEMA), em 2015, quando a empresa multinacional
Anglo American solicitou declaração de conformidade de empreendimento minerário
similar, no âmbito municipal. Na ocasião, o CODEMA deliberou pela não conformidade
do empreendimento até que fosse realizada consulta prévia e informada à Comunidade
Quilombola de Queimadas, nos termos da Convenção 169 da OIT (artigos 6, 7, 15 e 16).
No entanto, paradoxalmente, na reunião realizada em 17 de abril de 2019, o
CODEMA aprovou a Declaração de Conformidade com as leis e regulamentos
administrativos do Município de Serro/MG para o Grupo Herculano Mineração mesmo
sem prova da cessão dos direitos minerários sobre a área e com várias inconsistências
na demanda, evidenciando a invisibilidade dos povos tradicionais no processo
decisório, contrariando a aludida Convenção, contrariando dados apresentados por
profissionais e contrariando recomendação do Ministério Público de que o CODEMA
se abstivesse de votar até que estivesse munido de mais informações técnicas.
Importante destacar que dentre os nove conselheiros que votaram a favor da
conformidade do empreendimento, cinco são representantes de órgão públicos municipais
e estaduais que, para todos os efeitos, deveriam promover o bem comum.
Os conflitos
Os discursos vigentes, dos defensores do Projeto, apontam alguns atrativos da
proposta para os moradores. O principal ponto salientado seria a geração de 250 vagas de
emprego direto previstas para a execução do Projeto, das quais, cerca de 80%
supostamente devem ser destinada para a contratação de mão-de-obra local. Outro fator
é a possibilidade de aumento da receita do município, através dos royalties e impostos e
o provável aquecimento da economia local, com a injeção de dinheiro no comércio, como
consequência dos novos empregos. Nestes discursos, fica evidente o apelo a velha ideia
de que os projetos de mineração realmente podem conduzir ao desenvolvimento, à
modernização e progresso, trazendo emprego, prosperidade e melhores condições de vida
para a população, possibilitando ao Município maiores investimentos em segurança,
educação e saúde.
No entanto, cabe enfatizar que diferentes pesquisas indicam os limites desse
discurso e dessas promessas, sendo exemplar os inúmeros outros projetos
desenvolvimentistas implantados no país ao longo dos últimos anos que, na prática,
apresentaram resultados muito diferentes dos esperados. É fundamental reconhecer e
dialogar inclusive com as organizações da sociedade civil, como os movimentos sociais,
sendo exemplar, o Movimento pela Soberania na Mineração (MAM) com experiência na
defesa dos direitos das populações atingidas, mas também sobre outras possibilidades no
âmbito da mineração.
Esses projetos representam, de fato, uma ruptura de paradigma na vida dos
cidadãos, com enormes danos materiais e simbólicos, impactos ambientais severos e
passivos sociais irrecuperáveis. Caso se concretize a mineração no Serro, muitas pessoas
vivenciarão rupturas drásticas no seu modo de viver e na forma com que se relacionam
com o meio ambiente. A contaminação do solo e da água, o assoreamento de córregos e
rios e a seca das nascentes gerarão impactos profundos nas atividades produtivas locais,
obrigando famílias inteiras a buscar novas fontes de renda, já que as costumeiras serão
inviabilizadas por esse grande empreendimento. Além disso, muitos serão forçados a
deixar suas casas, posto que as mineradoras sempre ignoram os modos de vida,
territorialidades e processos culturais já tradicionalmente firmados.
Não bastasse isso, nos municípios em que esses grandes empreendimentos já se
instalaram, constata-se um aumento significativo nas demandas por serviços públicos de
assistência social, saúde, educação e, principalmente, segurança pública. A mineração irá
modificar sensivelmente os sistemas produtivos do município do Serro, destruindo de
forma irremediável a sua grande potencialidade turística. Esse projeto também impactará
negativamente na infraestrutura do município, a partir da expansão urbana desordenada
que causará e do consequente aumento do trânsito de veículos pesados.
É claro que os impactos socioambientais ocorrem de forma distinta em cada região
e conforme o tipo de empreendimento, mas, de um modo geral, essas consequências
listadas acima são, quase sempre, observáveis. Talvez não seja possível vislumbrar uma
mudança drástica, da noite para o dia, mas certamente, em algum momento, esses danos
serão perceptíveis. Cabe lembrar, ainda, que embora normalmente estes impactos não
atinjam de forma radical o “centro da cidade”, existem comunidades que sempre serão
imediata e diretamente afetadas por qualquer projeto de mineração, sendo certo que as
incursões do capital sempre usarão de todos os meios possíveis para desviar estes
“obstáculos”.
No caso do “Projeto Serro”, tudo indica que as consequências não serão muito
diferentes daquelas já experimentadas em locais como Conceição do Mato Dentro,
Itabira, Mariana, Brumadinho, dentre outras várias. Além da instalação de barragens de
rejeitos e o risco de rompimento de barragem (que tem assombrado vários municípios
mineiros nos últimos tempos), outros danos são iminentes, pois, tais empreendimentos
estão embasados em um destrutivo modelo de acumulação do capital, que desconsidera o
meio ambiente e os direitos das populações locais.
Moradores contrários ao empreendimento denunciam que os supostos benefícios
não justificam a implantação da mineração no município de Serro. Alegam que as 250
vagas previstas no Projeto não solucionarão os problemas de desemprego estrutural da
cidade; que o empreendimento trará riscos à segurança (aumento da violência) e à saúde
dos moradores (devido à poluição do ar e contaminação do solo e da água); que a
arrecadação para o município não compensará os investimentos em infraestrutura, saúde
e segurança; que existem riscos ao patrimônio histórico e cultural da cidade, se
considerada a previsão do uso de explosivos para a extração do minério e a proximidade
do empreendimento com a sede do município.
Manifesto
Diante dessa breve contextualização, o Observatório dos Vales e do Semiárido
Mineiro vem a público expressar sua indignação pela forma como a questão do Projeto
Serro está sendo conduzida e tratada no âmbito do CODEMA. Colocamo-nos em defesa
dos direitos dos povos tradicionais e da população. Somamo-nos às organizações da
sociedade civil que estão acompanhando e se posicionando de forma crítica ao processo,
entendendo que é dever da gestão pública defender os interesses da população.
Esperamos que órgãos como a Defensoria Pública e o Ministério Público se
manifestem a fim de subsidiar e garantir o efetivo direito de esclarecimento e participação
da população diretamente impactada. É necessário um maior aprofundamento dos debates
para que todos os munícipes possam compreender a dimensão efetiva e concreta que a
adesão a um projeto de mineração, nos termos postos, pode gerar de consequências
irreversíveis para a região.
Diamantina, 26 de abril de 2019
Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Extensão
observatorio@ufvjm.edu.br / observatoriovale@gmail.com
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM
Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro
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