Marco temporal: os ritos de Brasília que amedrontam aldeias em Minas

02/10/2023

Por Alexandre Guzanshe /Por Bernardo Estillac

Fonte:https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2023/10/02/interna_gerais,1570093/amp.html

Enquanto instituições não indígenas travam batalha no Planalto Central sobre tese que limita direito de povos originários, etnia vê nova ameaça contra sua gente

São João das Missões, Januária e Itacarambi – Centenas de xakriabás de diferentes gerações, vários com vestimenta tradicional, cantam e dançam em longas rodas em que se ouvem de forma intercalada vozes masculinas e femininas. Atravessando a rodovia, longos troncos e galhos impedem a passagem de carros que se aglomeram em pequeno número na BR-135, no Norte de Minas. Esse foi o cenário encontrado pela reportagem do Estado de Minas em 20 de setembro, quando partia de Itacarambi para São João das Missões, o município com maior percentual de população indígena do Sudeste brasileiro. A manifestação remetia à retomada do julgamento do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), tese que relega aos indígenas o direito apenas às terras que já estavam ocupadas na época da promulgação da Constituição Federal de 1988, ampliando os percalços em uma luta de séculos dos povos originários pela retomada de parte de seus domínios.

Embora tivesse como mote principal o julgamento na Suprema Corte, o protesto dos indígenas também se atentava para as discussões sobre seus direitos no Legislativo. Rapidamente o tempo deu razão às preocupações dos xakriabás. Depois que o STF determinou, por 9 a 2, que o marco temporal é inconstitucional, a decisão serviu para alimentar uma rusga entre a instância máxima do Judiciário e o Congresso Nacional. Os parlamentares criticam decisões como a dos direitos dos indígenas e a pautas como a descriminalização do aborto e das drogas, acusando os magistrados de estarem legislando, tarefa conferida a deputados e senadores.
Uma semana depois da decisão do STF, o Senado Federal votou e aprovou em um intervalo de apenas cinco horas um projeto de lei que reestabelece o marco temporal, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário, em clara reação aos ministros da Suprema Corte. O texto foi encaminhado para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os xakriabás ouvidos pela reportagem durante o protesto manifestaram seu repúdio à medida, sempre recordando o ardor das lutas recentes que lhes conferiram direito legal ao terreno que já ocupavam antes da chegada de colonizadores europeus.
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