24/10/2017
Muitas pessoas vão a exposições de quadros pintados há 200, 300 anos, em museus e galerias internacionais onde tudo é muito bonito, sofisticado, com segurança. Mas bem pertinho de Belo Horizonte há pinturas milenares, com até 13 mil anos, feitas por homens pré-históricos em cavernas ou paredões de pedras. Elas estão expostas ao sol, à chuva ou a até algum desavisado que pode jogar uma tinta por cima – e grande parte dos próprios moradores da capital nem sabe ou não dá valor.
Minas Gerais é o celeiro da arte rupestre, e há milhares de sítios arqueológicos espalhados pelo Estado. Somente na região metropolitana, são cerca de 200 com esses vestígios pré-históricos. “Rio de Janeiro e Espírito Santo não têm nada, em São Paulo são apenas 16. A pintura rupestre é a nossa praia, aqui estão os melhores arqueólogos especialistas nisso”, defendeu a historiadora Alenice Baeta, que tem pós-doutorado em arqueologia e é especialista em transmitir a relevância desse patrimônio mineiro.
“É o início de tudo, é o início da comunicação gráfica, um legado visual que foi deixado em tantos lugares do mundo, e o território mineiro foi escolhido também para isso”, disse a arqueóloga, que enfatiza a luta que é a preservação desse legado deixado por nossos ancestrais.
Foto: Pinturas representam cenas pré-históricas como esta de um homem matando o outro
Foto: Expedição da Nissan levou grupo de jornalistas para visitar o Parque Cerca Grande
Foto: Na serra do Cipó, na lapa da Sucupira, é possível ver muitas pinturas e desenhos mais nítidos de homens e animais
Foto: Vândalos escreveram dizeres no Parque do Sumidouro ao lado de arte rupestre milenar, antes de preservação do local
Diante de um paredão com essas pinturas no Parque Estadual Cerca Grande, em Matozinhos, Alenice pediu aos visitantes que fechassem os olhos, como quem está de frente a um templo sagrado, e começou a guiá-los para imaginar os homens pré-históricos fazendo as tintas com pigmentos de minério, montando andaimes com bambus para subir, pintar e deixar mensagens, símbolos e marcas para as próximas gerações, mais de 6.000 antes. “Pense na sua origem pessoal, na origem da humanidade, nos primeiros homens que estiveram aqui na terra, que não são de longe, são os povos indígenas do Brasil”, falou, fazendo com que todos sentissem a dimensão daqueles vestígios.
Com a falta de investimento nesse patrimônio produzido pelos pré-históricos, poucos sítios estão protegidos e possuem estrutura de visitação. “Cultura no Brasil não tem valor, pré-história então. Trabalhar com memória é muito complicado, não tem incentivo”, destacou Alenice.
Foi em Minas, na lapa Vermelha, na região de lagoa Santa, que foi encontrado o crânio da Luzia, fóssil humano mais antigo achado na América, com cerca de 13 mil anos. O Parque Estadual do Sumidouro, situado entre Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, é de tamanha importância para a arqueologia que nutriu de dados o naturalista britânico Charles Darwin, autor de “A Origem das Espécies”, de 1859. “E as escolas brasileiras continuam dando exemplos de fora para falar do período pré-histórico”, alfinetou a arqueóloga, que já participou de mapeamentos de sítios mineiros que duraram em torno de dez anos.
Depredações põem patrimônio em risco
No Parque Estadual do Sumidouro, é possível chegar aos paredões com pinturas rupestres por meio de uma trilha que sai da Casa Fernão Dias, em Pedro Leopoldo. Lá, além de um mirante lindo para as montanhas de Minas, há uma estrutura (deque) para visualizar as gravuras e incisões milenares. Quem tiver um binóculo, pode ver com mais detalhes, já que muitas estão apagando por ser um lugar que o sol bate diariamente. Por meio de um incentivo da montadora japonesa Nissan, foram colocadas placas com as fotos das pinturas e um desenho por cima do que seriam as figuras para o visitante ter uma noção dos símbolos que estão se apagando naquele patrimônio.
Mas não são só o tempo e o ambiente que prejudicam a preservação desses vestígios; o principal, talvez, seja a ação do homem. Várias pinturas são depredadas por vândalos que escrevem o seu nome ou algum dizer por cima e por tribos urbanas que fazem pichações, já que há centenas de sítios bem próximo a capital. A arqueóloga Alenice Baeta conta ainda que existe um mercado negro em torno dos patrimônios arqueológicos: “Tem pessoas que encomendam uma pintura rupestre verdadeira (quebram o pedaço da pedra) para colocar em casa”.
Gruta Rei do Mato, em Sete Lagoas. Éum monumento natural em unidade de conservação estadual, com visitação diária das 9h às 16h.
Parque do Sumidouro, na Quinta do Sumidouro, em Lagoa Santa. A trilha guiada de 2,5 km é oferecida de terça a domingo, 8h30, 10h30 e 15h (R$ 10 por pessoa), saindo da Casa Fernão Dias. Casando a visita com a gruta da Lapinha, que fica no mesmo parque, conhece-se o Museu de Peter Lund (considerado o pai da paleontologia).
Lapa do Ballet, em Matozinhos. Tem que agendar, pois fica dentro de uma unidade de conservação da empresa Lafarge.
Gruta de Maquiné, em Codisburgo, funciona todos os dias, das 9h às 17h.
Lapa da Sucupira, na serra do Cipó, fica no sítio Rancho Fundo, onde a família cobra R$ 10 para quem quer a visita guiada.
Pedra Pintada, em Cocais, distrito de Barão de Cocais. Uma família cuida do local, com várias pinturas.
Arqueóloga Alenice Baeta mostra vestígios na pedra |
*Repórter viajou a convite da Nissan para a Expedição à Procura do Início do Brasil