11/07/2019
Moradores do local se autoproclamaram um quilombo no último dia 30, o que pode impedir a reintegração
O Ministério Público Federal (MPF) informou nessa quinta-feira (11) que instaurou inquérito civil para apurar a decisão da Justiça que determina a reintegração de posse de área com 4.000 m² na rua Teixeira Soares, no bairro Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte. Os moradores do local se autoproclamaram um quilombo no último dia 30, o que pode impedir a reintegração, conforme o procurador da república Helder Magno da Silva.
O procedimento está marcado ocorrer até 25 de julho e seria realizado pela Polícia Militar (PM). Cerca de 40 pessoas, de 16 famílias, residem na área.
“Se a sentença (de despejo) for executada, estarão ameaçados o direito fundamental à moradia e à própria dignidade humana, em face da íntima relação entre a identidade coletiva das populações tradicionais e o território por elas ocupado”, defendeu o procurador. Ele reiterou que a Constituição de 1988 protege as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras.
Silva oficiou vários órgãos, inclusive Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A Corte informou que ainda não recebeu o documento.
O processo começou em 1970 com a demarcação do terreno a pedido dos herdeiros. Em 2011 a Justiça decidiu que a área pertencia aos herdeiros, inclusive parte do clube Oásis. Não cabe recurso da decisão, que transitou em julgado.
Resistência
Nesta quinta-feira, o assunto foi tema de audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Moradores aproveitaram o momento para mostrar a união em torno da ideia de comunidade e das tradições.
A autônoma Elizabeth Denise Martins de Araujo, de 51 anos, é bisneta da fundadora da comunidade, Eliza de Sousa. “Nós nos declaramos quilombolas porque nosso bisavô era escravo e nossa bisavó foi liberada pela Lei do Ventre Livre. A minha mãe é a matriarca e tem 80 anos, ela passou as festas e os costumes para todos, como a festa do Menino de Angola”, contou.
Os residentes informaram que o processo para entender as origens afro-brasileiras foi difícil.
“A gente foi buscar nossos ancestrais em Além Paraíba e descobriu que nosso bisavô Petronillo foi registrado como escravo em 1988 e que minha bisavô nasceu em 1989, quando já existia a Lei do Ventre Livre”, disse a esteticista Gislaine Martins Abranches Godoy, de 46 anos.
Legislação
O procurador da república Helder Magno da Silva explicou que tanto a Constituição de 1988 como o Decreto 4.887/2003 preservam o direito das comunidades quilombolas. A constitucionalidade do decreto foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal.
A lei considera que remanescentes das comunidades dos quilombos são grupos étnicos-raciais com trajetória histórica própria e relações territoriais específicas.
O procurador recebeu uma representação com relação à comunidade Teixeira em 28 de maio deste ano. O inquérito foi instaurado após investigação do MPF.
Prefeitura
O documento do MPF chegou à prefeitura no último dia 10 e está em análise, segundo a Fundação Municipal de Cultura. O prefeito Alexandre Kalil se reuniu com líderes da comunidade no último dia 3.
Oásis
Parte da área dos herdeiros era usada pelo clube Oásis. O presidente Luiz Carlos Ferreira explicou que o clube cedeu espaço livre em troca da área marcada pela Justiça, após acordo. A reportagem não conseguiu contato com os herdeiros.