MINERAÇÃO

Por Fernanda Perdigão

A pequena Elisa, de apenas um mês e 20 dias, foi sepultada no último dia 07 de julho de 2024, após falecer em decorrência de um suposto caso de negligência médica. A Aldeia Pataxó Hã-Hã-Hãe, que está em processo de realocação devido ao desastre-crime causado pela empresa Vale S.A com o rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho/MG, em janeiro de 2019 e revitimizada pela enchente de 2022 que trouxe rejeitos contaminados para a comunidade, vive um momento de luto e indignação.

Arquivo pessoal Cacique Tehé Pataxó da Pequena Elisa – Avó de Elisa Tãnara carregando o caixão de sua neta

 

Eles tinham o sonho de ter a filha”, Tio Avó e Vice Cacique Tehé Pataxó. Depois do nascimento da Pequena Elisa, como a mãe já tinha um filho de 4 anos de idade, e ela queria ter apenas mais uma menina, ela decidiu por fazer a laqueadura, com apenas 24 anos de idade, e após buscar por inúmeras vezes a UPA de Brumadinho para o socorro a sua Pequena Elisa, e pela suposta negligência médica, a mãe da Pequena Elisa, teve seu sonho destruído.

Condições Precárias e Resistência à Realocação

A Aldeia Pataxó Hã-Hã-Hãe foi temporariamente realocada para uma chácara cedida pela mineradora Vale S.A, localizada em São Joaquim de Bicas. No entanto, a estrutura oferecida é insuficiente para abrigar as 76 famílias deslocadas. Além disso, a prefeitura local se manifestou contra a permanência dos indígenas, forçando parte da comunidade a retornar à área contaminada e outra parte a se estabelecer provisoriamente em uma pousada no município de Brumadinho.

A família da pequena Elisa está hospedada na Pousada Nossa Fazendinha, junto com outras 52 famílias. Desde a realocação, os indígenas relatam atendimento médico precário, onde medicamentos são prescritos sem considerar o quadro clínico individual. “A sensação de negligência é constante.” Disse o Vice Cacique e Tio Avó da pequena Elisa, Tehé Pataxó.

A Tragédia

Na segunda-feira passada, Elisa começou a apresentar sintomas graves, como evacuação com sangue. A bebê foi levada à UPA, onde o pediatra afirmou que se tratava de uma “virose” e receitou dipirona e simeticona. Nos dias seguintes, seu estado piorou com vômitos e desidratação, mas o médico continuou a dispensá-la sem realizar exames. No quarto dia, Elisa estava em estado crítico e foi atendida por outro médico, que finalmente identificou a gravidade da situação. Apesar dos esforços de reanimação, a pequena Elisa não resistiu.

O Vice Cacique Tehé Pataxó, descreve seu sentimento – “É uma situação muito desumana, o que a UPA de Brumadinho fez com a nossa Elisa foi desumano, estão nos tratando como animal.”

Fonte: Vice Cacique Tehé Pataxó

Revolta e Protesto da Comunidade

O Vice Cacique e tio-avô da Pequena Elisa, expressou a profunda dor e revolta da comunidade. Segundo ele, desde as tratativas de reparação pelo crime da Vale, os indígenas têm sido desconsiderados.

No dia da morte da Pequena Elisa, após deixar a Pequena para mais uma vez ser atendida e já em estado grave, o Vice Cacique, retornou a pousada, pegou seu Cocar e suas vestes de luta, e retornou a UPA, ao receber a notícia do falecimento da Pequena Elisa, “controlei os pais e as avós, pois já sabiam que tratava de negligência médica, e já alertei o Cacique Arakuâ, que convocou a comunidade para termos uma resposta.”

A comunidade realizou um protesto pacífico em frente à UPA de Brumadinho, exigindo justiça e respostas. Momento que representantes do Ministério Público Federal e da Secretaria de Saúde de Brumadinho se reuniram com os indígenas, que solicitaram o prontuário médico de Elisa e o afastamento do pediatra responsável. O pedido do Prontuário, segundo a responsável que os atendeu, por questões de logística, eles só poderiam liberar na segunda-feira, pois o horário da funcionária responsável já havia finalizado.

Eles não tem nenhuma sensibilidade com a situação, estão procurando amenizar a situação deles.” Disse o Vice Cacique quanto ao sentimento da forma com que foram tratados desde o início.

A pequena Elisa foi sepultada no território, e como a cultura indígena define assim como a FUNAI, um corpo de indígena sendo sepultado, o território torna-se sagrado, o Território em que a pequena Elisa foi sepultada, pertencente ao município de Brumadinho.

Todos os povos tem o direito de sepultar seus entes queridos conforme sua tradição.” – Vice Cacique Tehé Pataxó

Buscando Soluções e Justiça

A comunidade Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe continua a enfrentar desafios, como a falta de uma escola própria e a necessidade de transportar as crianças para instituições públicas, muitas vezes em condições perigosas. A Vale resiste à construção de uma nova aldeia, essencial para que os indígenas possam cultivar suas próprias medicinas e viver de acordo com suas tradições.

Não somos indígenas de pousada, não somos indígenas de chácara, somos do nosso território para plantar nossa medicina, no local, e cuidar dos parentes.”

A morte da Pequena Elisa evidencia um problema sistêmico de negligência e desconsideração pelas vidas indígenas. A família da Pequena Elisa, devastada pela perda, ainda aguarda o apoio psicológico prometido pela Vale. A comunidade permanece unida, exigindo respeito e o direito de viver dignamente em seu território tradicional.

Nossas crianças não se sentem seguras em irem na UPA de Brumadinho, elas temem morrer também, nossas crianças prestam atenção em tudo que acontece, entorno do caixão da pequena Elisa as crianças choraram.”

Disse o Vice Cacique, sobre o medo de continuarem sendo atendidos na UPA de Brumadinho, que como dito anteriormente, já vem de um histórico de negligência durante o atendimento não apenas dos povos indígenas, mas de outros pacientes que saem sempre com prescrições com os mesmos medicamentos. “Sabemos que tem profissionais no local, que querem fazer seu trabalho bem feito, mas ao que tudo indica é um protocolo da UPA, prescrever sempre o mesmo medicamento.” Vice Cacique Tehé.

Um Chamado à Ação

Matou um ser sagrado, a criança é um ser sagrado para nosso povo. Disse o Tio Avó e Vice Cacique, “Quando nasce uma criança e na hora do batismo coloca-se a semente no Maraká do Cacique, e em seu sepultamento esta semente é retirada e plantada junto a criança. Tivemos todo esse sonho barrado, a confiança que as crianças é o futuro.

Este caso é um doloroso lembrete da vulnerabilidade das comunidades indígenas diante da negligência e da injustiça. É crucial que as autoridades competentes tomem medidas imediatas para garantir que tragédias como a de Elisa não se repitam e que a comunidade Pataxó possa viver em segurança e dignidade em seu território.

É o mínimo que o médico deveria fazer, levar em conta a angústia dos pais e pedir exames, para descobrir a causa de evacuar sangue, ele tinha que fazer alguma coisa, não precisa ser médico para perceber que a criança estava grave.”

É fundamental que a sociedade reconheça e apoie a importância dos povos indígenas, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e que seus direitos sejam respeitados e protegidos.