Roraima é o estado com maior percentual de candidatos autodeclarados indígenas do país nas Eleições Municipais de 2020, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São 148 candidaturas ou 7,88% de um total de 1.875 candidaturas registradas pela Justiça Eleitoral no estado – um aumento de quase 13% em relação a 2016.
Na sequência de Roraima, os estados com maiores percentuais de candidatos autodeclarados indígenas são Amazonas (4,75%), Mato Grosso do Sul (2,52%) e Acre (2,12%).
Especialistas apontam a eleição em 2018 de Joenia Wapichana (REDE) para deputada federal, representando o estado de Roraima, como o principal incentivo ao crescimento de candidaturas indígenas neste ano.
“É uma deputada federal que tem dado uma visibilidade muito grande à questão indígena e aos problemas enfrentados por eles em todas as regiões do país. O exemplo dela motiva a participação dos índios em vários estados brasileiros”, afirma Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA).
Joenia foi a primeira deputada indígena eleita no Brasil. Desde a eleição do cacique xavante Mario Juruna, pelo PDT do Rio de Janeiro, em 1982, um indígena não chegava à Câmara dos Deputados.
Ao todo, a Justiça Eleitoral contabilizou 2.208 candidatos indígenas em todo Brasil. É uma quantidade baixa: corresponde a apenas 0,40% do total de candidaturas registradas junto à Justiça Eleitoral.
De acordo com o levantamento, no plano nacional a região Norte registrou o maior número de candidaturas indígenas. São 922 na soma dos sete estados que compõem a região. Em segundo lugar no ranking, o Nordeste conta com 506 candidatos autodeclarados indígenas. Centro Oeste (364), Sul (237) e Sudeste (167) aparecem na sequência.
Se eles (os indígenas) estão se autodeclarando é porque têm orgulho da sua origem. Isso é bom para um estado preconceituoso como Roraima, isso mostra que a gente está enfrentando o preconceito de frente
A atual população indígena brasileira, segundo o Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, é de 817.963 pessoas, das quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 nas zonas urbanas. O censo também identificou, em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai), 505 terras indígenas, abrangendo 12,5% do território brasileiro. Segundo a instituição, existem 225 povos, além de referências a 70 tribos vivendo em locais isolados e que ainda não foram contatadas.
Enock Taurepang, coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), diz que é muito significativo que Roraima tenha o maior percentual de candidatos autodeclarados indígenas, já que se trata de um estado extremamente conservador.
“Se eles estão se autodeclarando é porque têm orgulho da sua origem. Isso é bom para um estado preconceituoso, isso mostra que a gente não tem medo, a gente tá enfrentando o preconceito de frente”, explica.
Para o coordenador do CIR é preciso se apropriar dos espaços políticos. “A gente vai vir novamente pra disputar eleições tanto para senador, quanto para deputado federal. E eu digo nós enquanto movimento indígena, enquanto comunidade, porque a gente tem se organizado, temos visto a demanda e o querer das lideranças em se apropriar desses espaços”, completa Taurepang
Conheça alguns candidatos
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), preocupada com a atual situação da população indígena no Brasil, decidiu lançar a Campanha Indígena, um chamado para dar visibilidade às candidaturas indígenas no país. A plataforma tem hoje 164 candidaturas registradas.
Com o slogan “União, trabalho e compromisso por Uiramutã”, Gregório Alexandre de Lima, da etnia Macuxi, é mais conhecido como Coordenador Grigório. Morador da Comunidade Indígena de Pedra Branco, foi eleito como vereador mais votado de Uiramutã em 2016. Na mesma eleição, outros eleitos em Roraima foram Zacaria Douglas (PSDC), em Bonfim, Roberladio da Malacacheta (PV), em Cantá, Professora Lourdes Brito (PDT), em Uiramutã, e Jaime Piasan (PV), em Normandia.
“Minha missão é defender os direitos dos povos indígenas, pensar na infraestrutura, melhorar as vias vicinais que dão acesso às comunidades indígenas, buscar investimentos na educação, saúde, esporte e lazer – não só nas comunidades mas também no município”, explica o vereador Lima, que busca a reeleição.
Questões relacionadas à sustentabilidade, agricultura familiar e à pecuária também compõem suas propostas de campanha.
“Quero dar continuidade ao trabalho que venho fazendo, como indicação de projetos para construção de mais escolas municipais em comunidades indígenas e na cidade, de postos de saúde, pensar a agricultura familiar. Também quero continuar fiscalizando os projetos do município”, afirma Lima.
Apesar dos avanços, Boa Vista, capital de Roraima, nunca elegeu um representante indígena, mesmo com quase 20 mil deles morando na cidade. Ariene Susui, de 24 anos, tenta pela primeira vez uma vaga na Câmara dos Vereadores de Boa Vista. A candidata é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e cursa o primeiro ano do mestrado, com foco em comunicadores indígenas, redes sociais e visibilidade das lutas dos povos originários.
É um momento histórico, nós estamos nos candidatando e realmente acreditando que é possível sermos protagonistas de nossas próprias histórias
“É um momento histórico, nós estamos nos candidatando e realmente acreditando que é possível sermos protagonistas de nossas próprias histórias. Realmente mudar essa visão de que o indígena é só pra ficar nas comunidades, ele está no centro urbano também”, explica Susui.
“Quando a gente torna visível (essa luta), a gente começa a lutar por políticas públicas para que nossa população também seja ouvida e colocada em pauta no plano da cidade. Para que a população entenda que estamos também na cidade. Sofremos um processo histórico de violência, então ter uma representação dentro da Câmara será de suma importância. Será uma voz pra colocar ali a questão dos povos indígenas”, completa Susui.
Suas principais propostas incluem a área de educação, sustentabilidade e diversidade.
Eliandro Pedro de Souza, da etnia Wapichana, tem 41 anos, é antropólogo, professor da língua Wapichana e também concorre ao cargo de vereador pela capital Boa Vista.
“Minhas principais bandeiras são a valorização da cultura, sustentabilidade econômica, educação e saúde mais humanizadas. É preciso ter políticas públicas que incluam e que respeitem de fato as culturas e os interesses da população indígena”, explica.
Só quem vive a realidade das comunidades sabe das necessidades e da falta de assistência que o povo indígena enfrenta
Já Carla Jarraira Almeida dos Santos, de 20 anos, Macuxi da etnoregião Raposa, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, é candidata a vereadora no município de Normandia. Segundo ela, “ter um representante indígena não vai mudar o cenário da atual conjuntura política de uma hora para outra, mas pode melhorar muitas coisas. Ocupar este cargo é de suma importância, pois só quem vive a realidade das comunidades sabe das necessidades e da falta de assistência que o povo indígena enfrenta”.
Entre suas principais propostas estão fortalecer a agricultura, apoiar profissionais indígenas nas áreas de saúde, educação e gestão, continuação de cursos profissionalizantes e o fortalecimento da política cultural tradicional indígena.
Segundo dados da Campanha Indígena, outros 30 candidatos concorrem em Roraima: Genison Brito, Fabiola Cuidadora, Regy Carvalho, Juliana Mandulão, Vitória Miguel, Alcineia do Campinho, Professora Aldenicia Wapichana, Andreia, Deliana Fidelix, Giovani Oliveira, Jaime Piasan, Olga Macuxi, Euclides Macuxi, Alysson Araújo, Juliana Mandulão, Tuxaua Benigno, Raielly Ribeiro, Romério Santiago, Roberlandio da Malacacheta, Diórgenes Raposo, Gercimar Malheiro, Professor Gedeão, Elisiane Lima, Josy Rosas, Valdete, Antonio, Andreia da Promoção Social, Crishima Pekena e Liliane Bento.
Edição: Rogério Jordão