NOTA EM DEFESA DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO BRASILEIRO

Coletivo de a. começou essa petição para Deputado Kim Kataguiri, resp. pelo GT Licenciamento Ambiental, de revisão do PL 3.729/2004

Nós, arqueólogas e arqueólogos, vimos a público manifestar nossa preocupação com a proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, o PL n° 3.729/2004, especificamente a versão de 02/07/2019, em dois pontos específicos. O primeiro diz respeito ao fato de que o documento não cita no art. 2°, inciso III, quais seriam as “autoridades envolvidas” que devem se manifestar no licenciamento ambiental. O segundo ponto prevê a participação da “autoridade envolvida” somente “quando na ADA ou na área de influência existirem bens culturais formalmente identificados e acautelados” (art. 37, III).
Entendemos que tais propostas divergem do vasto conjunto de normativas vigentes¹, uma vez que: a) o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deixa de constar como autoridade responsável pelo patrimônio cultural; b) o inciso III desconsidera a especificidade da arqueologia, não prevendo a realização de estudo de avaliação de impacto ao patrimônio que possibilite a descoberta de novos sítios arqueológicos. O PL, portanto, determina como necessária manifestação exclusivamente para os casos em que houver sítios formalmente identificados e acautelados, ou seja, apenas aqueles que constem nos bancos de dados do Iphan, já que o Cadastro é o procedimento que publiciza a existência dessa modalidade patrimonial.
Para que fique mais compreensível, explicaremos: A arqueologia tem como centralidade o estudo da cultura material apropriada pelas sociedades humanas de qualquer época e a dispersão desses vestígios configuram nossa principal fonte de pesquisa: o sítio arqueológico. Todavia, nem sempre este é facilmente identificável, pois na maioria das vezes se encontra “embaixo da terra”, o que demanda uma metodologia específica para ser revelado. Logo, mesmo que seja possível inferir os locais onde encontrá-los, é no momento da intervenção no solo que o profissional conhecerá a potencialidade arqueológica de determinada área.
Mas por que tanto interesse em defender esse campo de pesquisa? Porque a
arqueologia é indispensável para a construção de nossa história, memória e
identidade enquanto povo, ela possibilita contarmos versões que nem sempre
foram escritas e que dizem respeito às mais variadas pessoas. Muitas vezes não damos a devida importância ao nosso patrimônio, mas ele é bastante relevante, inclusive para outros países. Como muitos sabem, temos três grandes exemplos de bens arqueológicos considerados Patrimônio Mundial pela Unesco, em que fica evidente a sua representatividade como instrumento de poder simbólico e econômico: as Missões Jesuíticas Guarani, no Rio Grande do Sul, o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e o sítio arqueológico Cais do Valongo, no Rio de Janeiro.
Nesse sentido, o Cais do Valongo, descoberto durante um estudo de avaliação de impacto ao patrimônio arqueológico no âmbito do licenciamento ambiental, não teria sido evidenciado caso o atual texto da Lei Geral do Licenciamento já
estivesse em vigor, o que levaria a sua provável destruição e a perda de um
local marcante para a história da diáspora africana.
Diferentemente do que muitos podem pensar, a participação da arqueologia nos processos de licenciamento é essencial, mas foi a partir de 2002, com a publicação da Portaria Iphan nº 230, que os estudos arqueológicos preventivos foram normatizados no âmbito do licenciamento ambiental, aumentando substancialmente a quantidade de pesquisas autorizadas pelo Iphan. Como consequência desse crescimento, foi possível conhecermos novos bens e atualmente contamos com cerca de 26 mil sítios arqueológicos cadastrados (formalmente identificados e acautelados) pelo Instituto. Além disso, com o aumento dos estudos no âmbito do licenciamento, ocorreu a retomada dos cursos de graduação em arqueologia. Dessa forma, a aprovação do Projeto de Lei causará impacto negativo ao patrimônio arqueológico, que ficará constantemente em perigo de destruição, assim como prejudicará os cursos de formação na área e acarretará o completo desmonte do mercado profissional da arqueologia, visto que os estudos arqueológicos no contexto do licenciamento ambiental empregam a quase totalidade desses profissionais.  Outro ponto que merece destaque, que afetará diretamente às obras desenvolvimentistas do país, é que o fato de não haver estudos de avaliação de impacto ocasiona insegurança jurídica aos envolvidos na execução de empreendimentos, pois a partir do momento em que se destrói um sítio arqueológico nesse contexto, poderá ser utilizada a Lei 3.924/1961 para punir os envolvidos, nos termos dos seguintes artigos: 3º São proibidos em todo o território nacional, o aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas […] antes de serem devidamente pesquisados, respeitadas as concessões anteriores e não caducas” e “5º Qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos monumentos a que se refere o art. 2º desta lei, será considerado crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de acordo com o disposto nas leis penais”.
Nesse sentido, para preservar a memória e identidade dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, é necessário que se preserve os bens arqueológicos por meio de políticas públicas. Por isso, queremos uma Lei que nos garanta o direito à nossa cultura, então nos unimos para que nossa voz seja ouvida. NÃO À DESTRUIÇÃO DA NOSSA CULTURA! NÃO À RETIRADA DOS ESTUDOS DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL!
Por fim, como solução para essas problemáticas, apresentamos as duas propostas a seguir:
a)   Visando garantir a participação do Iphan enquanto “autoridade envolvida”, considerando o art. 1° da Portaria Interministerial n°. 60, de 24 de março de 2015, segue em destaque nossa proposta de novo texto para o PL:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
III – autoridade envolvida: órgão ou entidade que, nos casos previstos na legislação, pode se manifestar no licenciamento ambiental acerca dos impactos da atividade ou empreendimento sobre as populações indígenas, quilombolas ou outras comunidades tradicionais, o patrimônio cultural ou as Unidades de Conservação da natureza, a saber: (…), (…), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan e (…).
b)   Objetivando garantir a proteção do patrimônio, considerando o art. 2° da Portaria Interministerial n°. 60/2015 e o art. 2° da Instrução Normativa nº 001/2015, segue em destaque nova proposta de texto para o PL:

Art. 37. A participação, no licenciamento ambiental das autoridades envolvidas referidas no inciso III do art. 2º desta Lei ocorre nas seguintes situações:
III – quando na ADA ou na Área de Influência do empreendimento existir intervenção que possa impactar bens culturais acautelados no âmbito das seguintes leis federais: 
a) – tombados, nos termos do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937; 
b) – arqueológicos, protegidos conforme o disposto na Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961; 
c) – registrados, nos termos do Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000; e 
d) – valorados, nos termos da Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007.

¹Constituição Federal de 1988 nos artigos 20, 23, 215, 216 e 225; normativas no âmbito da arqueologia: a) Lei n°. 3.924/1961 que protege o patrimônio arqueológico, b) Leis n°. 7.542/1986 e 10.166/2000 que versam sobre a pesquisa em contexto aquático, c) Portaria n°. 07/1988 que estipula os procedimentos para execução de pesquisas arqueológicas, d) Portaria n° 28/2003 que prevê pesquisa arqueológica para renovação da licença de operação de empreendimentos hidrelétricos, e) IN Iphan n°. 01/2015 que determina os procedimentos a serem observados pelo Iphan no licenciamento ambiental; além da legislação ambiental: a) Resoluções Conama n° 001/1986 e 237/1997, b) Lei complementar n°. 140/2011, c) Portaria Interministerial n°. 60/2015, que disciplina a atuação dos órgãos nos processos de licenciamento ambiental.

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