Desde 2020, os três comitês da ABA têm acompanhado os conflitos deflagrados pela entrada de empreendimentos minerários no Serro, tendo publicado, em abril de 2021, o Parecer Técnico sobre o Projeto de Mineração no Serro – Minas Gerais[1], com diversas recomendações para que os direitos de povos e comunidades quilombolas e tradicionais sejam assegurados. Ao longo dos últimos anos, a comunidade obteve, junto a diversas instâncias da Justiça, o reconhecimento de seu direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, nos termos da Convenção 169 da OIT, em face da pretensão desses empreendimentos.
Não obstante, o conflito vem se agravando na comunidade, em função do aumento das interferências no território. Segundo denúncias publicizadas pelos próprios moradores e movimentos sociais, as mineradoras, por meio da cooptação e da atuação insidiosa de agentes colocados no território a seu serviço, buscam incidir sobre a condução do processo de construção dos protocolos de consulta da comunidade.
Moradores da comunidade de Queimadas manifestaram, via redes sociais, apreensão diante de uma reunião marcada para este último domingo, dia 17 de março, com o objetivo de construir, “a toque de caixa”, desrespeitando a temporalidade da comunidade, um protocolo de consulta, sem discussão ampliada, coletiva e autônoma. A tentativa de aprovação de um texto não consensuado pela comunidade, apresentado em meio a grande pressão sobre os moradores, pode levar à construção dos protocolos da comunidade de forma diversa do que preveem os parâmetros internacionais do direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado, ao arrepio da própria Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.
Uma carta com assinatura de 60 moradores da Comunidade Quilombola de Queimadas foi divulgada no dia 16 de março nas mídias digitais, solicitando que o processo em curso não seja legitimado pelas instituições de justiça estadual e federal, face à conjuntura de intimidação, assédio e violação de direitos por parte das mineradoras na região.
Diante da situação, a Defensoria Pública de Minas Gerais expediu um ofício com um conjunto de recomendações, visando criar um canal de diálogo e proteger a comunidade de iniciativas que possam inibir e fragilizar, ou visem controlar a participação no processo de construção de um protocolo autônomo de consulta.
Frente a esse contexto, os Comitês Quilombos, Patrimônio e Museus, e Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, da ABA, vêm requerer às instituições públicas do Estado de Minas Gerais e em âmbito federal, a adoção das medidas administrativas e/ou judiciais cabíveis, que visem:
- a imediata suspensão do atual processo de construção do protocolo de consulta;
- a apuração acerca da violação de direitos da comunidade de Queimadas, nos termos das graves denúncias publicizadas por 60 de seus moradores, e a garantia da segurança e integridade de todos;
- a apuração de possíveis irregularidades no processo de elaboração dos protocolos de consulta da comunidade;
- a garantia das condições de tranquilidade necessárias para que a construção do protocolo de consulta da Comunidade de Queimadas possa ocorrer de modo efetivamente livre e autônomo;
- o total respeito à temporalidade da Comunidade Quilombola de Queimadas, para que ela possa conduzir o complexo processo de compreensão e engajamento por meio do qual deve elaborar, cuidadosa, consciente e coletivamente, o seu protocolo autônomo de consulta;
- a garantia, à Comunidade Quilombola de Queimadas, ao exercício do direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado, nos termos da Convenção 169 da OIT;
- a proteção do modo de vida, da integridade territorial e do patrimônio cultural da comunidade quilombola de Queimadas.
Brasília, 21 de março de 2024.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos
Leia aqui a nota em PDF.
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[1] https://www.abant.org.br/files/20210420_607ed57c90942.pdf