Imagem da abertura de nosso Programa no segundo semestre de 2018 com o curso “Políticas da Terra”, com (da esquerda para a direita): César Guimarães, Adalto Pataxó, Valdemar Xakriabá, Maria da Glória Tupinambá, Cacique Babau, Célia Tupinambá, Davi Kopenawa, Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Maria Luisa Sidônio, Isabel Casimira Gasparino, Pai Ricardo de Moura, José Jorge de Carvalho
A Resolução do Conselho Universitário que regulamenta o reconhecimento de Notório Saber pela UFMG, firmada pela Reitora Sandra Regina Goulart Almeida no dia 2 de maio passado, representa a culminação de uma longa demanda pela inclusão plena dos mestres e mestras dos povos e comunidades tradicionais como docentes no universo acadêmico brasileiro, historicamente marcado pelo eurocentrismo e pela exclusão étnica e racial.
A UFMG participa da rede de universidades que já implementaram o projeto Encontro de Saberes, criado pelo INCT de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, sediado na UnB e que forma parte da rede dos INCTS do CNPq.
O foco principal do projeto é incluir os mestres e mestras dos saberes tradicionais (indígenas, quilombolas, comunidades afro-brasileiras, culturas populares e demais povos tradicionais) como docentes nas universidades em matérias regulares, valendo créditos, e não somente em programas de extensão.
Na medida em que o projeto surgiu como uma demanda complementar às cotas para estudantes negros e indígenas, podemos considerar o Encontro de Saberes como um movimento de Cotas Epistêmicas.
Desde a implementação do projeto em 2010, definimos como um dos seus objetivos fundamentais a outorga do título de Notório Saber para os mestres e mestras que pela primeira vez começavam a ensinar na UnB.
A UFMG aderiu ao Encontro de Saberes em 2104 e logo após implementou seu Programa de Formação Transversal.
Dez anos depois do início da campanha pelas cotas epistêmicas, vemos finalmente realizada essa quebra radical de paradigma, qual seja, ampliar a certificação de um doutorado para além da formação exclusivamente eurocêntrica.
Merece destaque o Art. 3º, no qual os mestres e mestras são mencionados explicitamente:
“Poderão ser reconhecidos saberes acadêmicos, científicos, artísticos e culturais já presentes na Universidade, e de outras tradições científicas, artísticas e culturais, tais como indígenas, afro-brasileiras, quilombolas, das culturas populares e demais tradições.”
Acreditamos que o extraordinário precedente aberto pela UFMG estimulará as demais universidades da rede do Encontro de Saberes, assim como muitas outras, a outorgar este mesmo título aos mestres e mestras que nelas ensinam ou que nelas começarão a ensinar.
Vale ressaltar a diferença do Notório Saber para o título de Doutor Honoris Causa, mais conhecido dentro e fora da academia e que já foi outorgado a mais de uma dúzia de mestres tradicionais.
O Honoris Causa é um reconhecimento à trajetória de uma pessoa por sua excepcional contribuição à sociedade, em qualquer área, seja política, artística, científica ou esportiva, entre outras. Contudo, esse título não autoriza, por si mesmo, o homenageado a ensinar em nenhuma universidade.
Por outro lado, o Notório Saber reconhece à pessoa que o recebe (como no caso dos mestres e mestras) uma estatura de conhecimento equivalente a um diploma de doutorado – e como tal, ela pode atuar como docente, seja como visitante, substituto ou temporário.
A expectativa que se abre agora é que a UFMG dê início à titulação dos mestres e mestras que já ensinaram nas suas unidades acadêmicas e inaugure uma nova configuração do seu corpo docente: ela passará então a contar com professores de formação eurocêntrica completa e professores mestres e mestras de Notório Saber, todos legitimados como doutores.
A UFMG, através da sua Reitora e dos integrantes do Conselho Universitário que aprovou essa histórica Resolução, assume uma inegável condição de vanguarda nas universidades brasileiras.
A diversidade de saberes que os mestres e mestras dominam, postos em diálogo com os saberes ocidentais hegemônicos, possibilitará a construção de um novo espaço acadêmico, não mais monocultural, monodisciplinar, monolíngue e monoepistêmico, como tem sido o padrão universitário e de pesquisa no nosso país por mais de um século, porém agora multicultural, transdisciplinar, poliglota e pluriepistêmico, capaz de refletir, finalmente, todo o riquíssimo universo de conhecimentos criados, preservados e recriados no Brasil por todos os seus povos, comunidades e nações.
Parabéns à UFMG por esta revolucionária Resolução. E logo daremos as bem-vindas aos ilustres mestres e mestras como doutores e doutoras nas nossas universidades por Notório Saber!