22/06/2020
Especialista e quem vive nessas áreas dizem que a população local tem crescido desde 2008; Prefeitura da capital realiza o cadastro e monitora grupos desde 2016
Entre a linha do metrô e a avenida Tereza Cristina, no bairro Carlos Prates, na região Noroeste de Belo Horizonte, cercas de arame farpado e árvores escondem casas improvisadas de tapumes, lonas e telhas obtidas por meio de doações. A fragilidade dos imóveis de 16 famílias que vivem no local ajuda a contar a história da ocupação urbana Anita Santos e de outras 117 que existem na capital.
Nessas áreas espalhadas pela cidade, atualmente, estão construídos 34 mil domicílios e residem mais de 100 mil pessoas, o maior número já registrado pela Prefeitura de Belo Horizonte desde 2008. Em 2016, esses locais passaram a ser monitorados pelo município. Especialista e quem vive nessas regiões entendem que a população nessas localidades vem crescendo.
Para a coordenadora do grupo Morar de Outras Maneiras, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Silke Kapp, o aumento populacional nessas áreas de ocupação reflete um fracasso da política habitacional no Brasil, muitas vezes focada na construção de grandes conjuntos distantes da infraestrutura urbana, com transporte coletivo precário e sem acesso ao comércio e oportunidades de emprego. “Há mais de 50 anos, todo mundo sabe que isso não funciona”, defende.
Em Belo Horizonte, a especialista conta que o fenômeno das ocupações reduziu-se entre os anos de 1991 e 2008, principalmente por conta das políticas criadas durante a gestão do então prefeito Patrus Ananias (PT). Ele instituiu por, exemplo, o Conselho Municipal de Habitação, com o Fundo Municipal de Habitação Popular para os investimentos na área.
Com o tempo e a entrada de outros prefeitos, essa política foi perdendo força, e isso acabou sendo uma das razões para o aumento das ocupações.
“Na época, foi feito um acordo para que os movimentos não fizessem mais ocupações, caso as medidas funcionassem. Mas o que aconteceu é que o pessoal ficou cansado de esperar. Desde então, essa tática tem se multiplicado”, explica Silke.
Líder comunitário da Anita Santos, o artista de rua Paulo César de Assis, 68, é um dos poucos que moram em uma casa de tijolos. Ele conta que os primeiros moradores da ocupação, a maioria vinda das ruas da capital mineira, começaram a se instalar no local há poucos anos. E a inspiração para o nome da área veio da fundadora do Movimento Nacional, Estadual e Municipal da População de Rua, Anita Gomes dos Santos, que faleceu em julho de 2017.
“Aqui se tornou uma comunidade unida. Muitos precisam de uma chance para ganhar o seu pão de cada dia honestamente. São senhoras, crianças, pessoas que buscam dignidade para poder sobreviver e acreditar nesse Brasil”, conta.
Proprietário
Oterreno, que ainda possui um galpão, pertence à Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e estava abandonado. No fim do ano passado, uma liminar chegou a obrigar a desocupação do local, mas a Defensoria Pública de Minas Gerais agiu e conseguiu impedir o despejo dos moradores.
Porém, a permanência no espaço está garantida só até dezembro, quando uma nova ordem de despejo pode ser realizada. Até lá, as famílias, das quais fazem parte 13 crianças, convivem com a angústia da espera por uma solução definitiva.
Mesmo assim, aos poucos, o local vai ganhando infraestrutura, construída pelos próprios moradores, apesar de ainda estar longe do que é considerado básico.
Áreas estão sendo regularizadas
De acordo com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), as ocupações urbanas foram recém-incorporadas às políticas habitacionais e são alvo de estudos sobre a regularização para instalação de estrutura básica de água e energia elétrica.
“Por meio de uma parceria com as concessionárias Cemig e Copasa, a Prefeitura de Belo Horizonte indicou as áreas passíveis de receber a instalação imediata de energia elétrica, abastecimento de água e esgotamento sanitário. Salientamos, também, que todas as áreas de ocupações irregulares em 2016 em Belo Horizonte foram incorporadas aos programas de governo e às políticas públicas do município na atual gestão”, informou a Urbel por meio de nota.
Projeto social
Conhecido por fazer quadros, esculturas e pinturas direto das praças de Belo Horizonte, Paulo César tem um sonho: criar um projeto social na ocupação para gerar novas fontes de renda e, ainda, ajudar as pessoas a superarem a dependência das drogas e álcool. O artista tenta desenvolver a ideia há quase dois anos no galpão abandonado que fica dentro da ocupação, mas até hoje não conseguiu, por falta de apoio.
“Precisamos otimizar o galpão, ele tem vários vazamentos, problemas elétricos, hidráulicos e de segurança, já que não temos extintores. É um projeto pequeno, que pode resolver milhares de problemas da comunidade, inclusive até de outras pessoas que quiserem participar”, conta.
Além das pinturas e obras artísticas realizadas com materiais recicláveis, Paulo César quer ensinar a arte da restauração de imagens sacras.