28/06/2023
Pesquisadores constataram que Samarco fez tratamento irregular da água após o desastre de Mariana, usando produto acima do limite permitido
Um laudo produzido a pedido do Ministério Público Federal (MPF) mostra que, após o desastre de Mariana, a Samarco foi responsável pelo uso acima do limite permitido de um produto que contém formol para tratamento da água. A substância é tóxica e cancerígena quando é ingerida em excesso.
O laudo é da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Federal do Estado do Espírito Santo e da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (Facto). Os pesquisadores constataram níveis acima do permitido de Tanfloc SG no Rio Doce em Colatina, no Espírito Santo.
O produto foi fornecido pela Samarco para o tratamento da água de 2015 a 2017 e usado não apenas em Colatina, mas também em Galiléia, Alpercata, Governador Valadares, Belo Oriente, Pedra Corrida, Itueta e Aimorés, outras cidades abastecidas pelo Rio Doce.
O Tanfloc tem resíduos de formaldeído, conhecido como formol. Por isso, deve ser usado em um limite de até 10 mg/L no tratamento de água. Nos testes realizados nas estações de tratamento de Colatina, constatou-se que o tratamento da água desrespeitou essa limitação.
Apenas em Colatina, 7,39 milhões de metros cúbicos de água foram tratados com Tanfloc em dosagem superior à segura, segundo o estudo.
Em uma ação sobre o assunto, a Samarco argumenta que o Tanfloc não é perigoso, que foi aplicado excepcionalmente e que os responsáveis pela dose de aplicação eram os Serviços Autônomos de Água e Esgotos municipais.
A ingestão de água com rastros de formaldeído é arriscada e pode provocar efeitos cancerígenos a longo prazo. Pesquisadores chamam esse efeito de “toxicidade crônica”, capaz de provocar tumores no corpo.
A Fundação Renova, formada pela Samarco, BHP e Vale para reparar os danos ao Rio Doce, afirma que a água está liberada para consumo humano desde 2016, apesar de estudos posteriores que mostram o contrário disso, como o próprio laudo da Fiocruz.
“O Tanfloc SG (…) possui resíduos de formaldeído que é uma substância tóxica e pode causar malefícios à saúde dependendo do nível de exposição. Dentre os efeitos tem-se: perda de peso e neoplasias, sendo esta substância classificada (…) como carcinogênico, tumorogênico e teratogênico.”
Os autores do laudo apontam ainda que havia um produto alternativo que não acarretaria a poluição da água com formol: o sulfato de alumínio. Essa substância chegou a ser utilizada também no tratamento, mas demandava uma quantidade maior para limpar o mesmo volume de água, o que provavelmente fez com que a Samarco optasse pelo Tanfloc SG.
Leia aqui a íntegra do laudo pericial da Fiocruz.
Por conta do uso do Tanfloc, moradores de municípios do Espírito Santo estão brigando na Justiça Federal desde 2021 por uma indenização. Uma ação foi movida pela Associação de Produtores Rurais e Artesãos do Espírito Santo, pela Associação dos Moradores do Bairro Colatina Velha e pela Associação de Moradores de Vila Lenira, de Colatina.
Segundo as associações, o tratamento indevido da água por parte da Samarco afetou todos que dependiam do abastecimento do rio. O valor pleiteado é de R$ 120 bilhões para cerca de 585 mil pessoas.
O Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, se manifestou em 2022 sobre a ação, pedindo que as associações sejam ouvidas no âmbito das discussões sobre o novo acordo de Mariana. A negociação está sendo mediada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A Samarco foi procurada pela coluna, mas não quis comentar. “A questão está sendo discutida judicialmente. Os esclarecimentos serão devidamente prestados pela empresa nos autos do processo”, afirmou a empresa. A Vale, sócia da Samarco, disse que “apresentou sua defesa no processo e aguarda decisão judicial sobre o tema”. A BHP, outra sócia, não respondeu.