Projeto da UFMG ampliou acesso à internet de terras indígenas
Feito a pedido de alunos indígenas, um projeto de conectividade da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) busca ampliar a internet para comunidades indígenas e quilombolas, que podem usar a rede para estudos, entretenimento e até acesso a programas sociais.
O projeto-piloto foi em uma aldeia do povo Maxakali, em Santa Helena de Minas, cidade próxima à divisa com a Bahia. Lá, a internet ajuda os alunos da Formação Intercultural para Educadores Indígenas da UFMG a fazerem os trabalhos acadêmicos, mesmo longe do campus principal, em Belo Horizonte.
Um deles é Lúcio Flávio Maxakali, 38, estudante de mestrado e morador da aldeia Jaqueira, onde fica a antena de conexão. Ele diz que a internet não apenas contribuiu para os estudos, mas também facilitou outros aspectos.
Lúcio, por exemplo, ajuda membros da comunidade a gerenciar benefícios sociais por aplicativo, o que evita o deslocamento de 12 quilômetros até a cidade. O mesmo ocorre para solicitar ajuda médica, já que o contato se torna mais fácil com a internet.
Para eles, a web é ainda um espaço de encontro entre tradições, seja de povos originários ou não. “É importante para nós porque temos que colocar nosso trabalho e nossa história na internet, para mostrar o corpo e a cara dos Maxakali. Também é bom para os alunos pesquisarem e conhecerem a cultura indígena e de outras etnias”, afirma.
Damião Maxakali, mestrando na universidade, relata que os mais jovens têm curiosidades sobre o universo digital, incluindo filmes e desenhos que eles assistem on-line.
Professora de educação da UFMG e uma das líderes do projeto, Vanessa Thomaz diz que, antes da pandemia, o acesso dos indígenas à internet costumava ser feito na universidade. Na época, os alunos se deslocavam entre a capital e a aldeia para ter aula, com apoio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Com a chegada da Covid e do período remoto, a falta de conexão prejudicou os alunos vulneráveis, como indígenas e quilombolas. A universidade passou a distribuir chips com dados móveis para tentar incluir esses estudantes. Mas, nas aldeias afastadas dos centros urbanos, o sinal era fraco e insuficiente para assistir às aulas.
Segundo Júnia Oliveira, mestranda em ciência da computação e membro do projeto, os indígenas têm acesso a só uma parte do sinal que chega à cidade, onde há maior concentração de usuários. Por isso, a conexão dos alunos é instável.
Diante das dificuldades, os Maxakali escreveram uma carta à universidade, pedindo ajuda para acompanhar as aulas à distância. O início do projeto com os professores começou a partir dessa troca, na tentativa de solucionar o problema.
Na primeira fase, eles instalaram um ampliador de sinal telefônico na aldeia Jaqueira, mas os problemas de conexão persistiram. Nessa época, eles inscreveram o projeto em um edital do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos, e receberam US$ 1.000 (cerca de R$ 4.700) após conquistarem o segundo lugar.
Depois, compraram a antena da Starlink, de conexão via satélite, que foi colocada em espaço aberto. “Agora, eles têm o acesso à internet com velocidade alta, sem limite de cota. Dá para fazer muita coisa, atende a eles perfeitamente e a qualidade do serviço é muito boa”, diz o professor José Marcos Nogueira, de ciência da computação, que também coordena o projeto.
Com a conexão, os alunos puderam avançar nos estudos, mesmo no pós-pandemia. Os estudantes pesquisam diferentes tópicos relacionados à comunidade, como os medicamentos tradicionais e o mapeamento do território onde vivem, e estão sendo beneficiados pela iniciativa. Hoje, 21 alunos da licenciatura e dois do mestrado usam a conexão, segundo a professora Vanessa Thomaz.
Mas os recursos recebidos no edital, que são usados para pagar a mensalidade do uso do satélite, devem chegar ao fim neste mês. Outro desafio é que o acesso à rede está restrito a apenas uma aldeia em Água Boa, um dos territórios Maxakali.
Na aldeia Major, onde vive Damião Maxakali, o acesso vem dos dados móveis. Para usar a internet via satélite, ele precisa se deslocar até Jaqueira, onde mora Lúcio. Por isso, Damião diz que ainda tem dificuldades em acessar a web e utilizá-la com os alunos da escola indígena local, da qual ele é vice-diretor.
Os professores buscam financiamento para manter o projeto em andamento e expandi-lo para outros espaços, oferecendo capacitações sobre como acessar e usar a internet. “Desde o início, queríamos uma formação técnica para que os usuários possam fazer a manutenção, mas também usar esse recurso numa perspectiva educativa, para que eles possam criar as próprias redes e produzir conteúdo”, diz Vanessa Thomaz.
Muitas aldeias indígenas têm buscado a conexão com a internet e meios digitais, uma vez que o contato com as tecnologias facilita trocas entre diferentes comunidades e acesso a direitos como saúde e educação.
Segundo Eliane Boroponepa Monzilar, professora do povo Balatiponé-Umutina e colaboradora do mestrado indígena da Universidade do Estado de Mato Grosso, a conectividade é um elemento importante e ajuda a combater estereótipos. “A gente discute para que o jovem possa estar interligado aos meios de comunicação de uma forma benéfica, para trazer algo positivo para seus saberes esculturais. Que isso venha fortalecer, desde que a gente não perca as nossas raízes e saberes.”
Para além dos alunos de outras etnias, o projeto pode contribuir para os estudantes de centros urbanos, apresentando novas práticas de conexão e inclusão digital. É o que afirma o professor Cássio Gonçalves do Rego, do departamento de engenharia da UFMG, que colabora com a iniciativa. “Como escola, um projeto desse tem um alcance maior do que a gente imagina. Além de atender a necessidade urgente de uma comunidade, também oferece para o aluno que está em Belo Horizonte um estudo de caso. É um efeito multiplicador.”