24/05/2021
Projeto de quatro anos vai servir de modelo para outras savanas no mundo, unindo preservação e modelos econômicos sustentáveis
Um projeto de dimensões transnacionais: esse é o CERES, iniciais de Cerrado Resiliente e também nome da deusa grega da fertilidade, que está unindo a União Europeia e organizações não governamentais do Brasil e Paraguai para fortalecer a conservação do Cerrado, valorizando um modelo econômico mais sustentável integrando as populações locais.
Com mais de 2 milhões de km2, o Cerrado cobre a maior parte do Brasil central e pequenas áreas no Paraguai e na Bolívia. A savana mais biodiversa do mundo abriga 5% da biodiversidade do planeta, com uma alta taxa de endemismo, de cerca de 40%, e fornece conectividade entre os principais biomas da América do Sul, incluindo a floresta amazônica, a Caatinga, o Pantanal e a Mata Atlântica.
A pressão pela produção de commodities fez com que o Cerrado se tornasse uma das maiores frentes de desmatamento do mundo. No acumulado dos últimos 50 anos o Cerrado perdeu mais da metade de sua vegetação original, com sua biodiversidade ameaçada pela perda e fragmentação de habitat.
Para encontrar soluções de preservação e empoderamento das comunidades locais, o Projeto CERES vai procura encontrar, testar e alavancar soluções de convívio entre diferentes modelos e escalas dentro da paisagem na qual se inserem e que possam ser replicadas em outras savanas ao redor do mundo.
“Trata-se de um bioma que exige muitas e diferentes soluções para que seu desenvolvimento seja inclusivo, de baixo carbono e sustentável e para que haja maior conscientização nacional e internacional sobre sua importância.”
Embaixador Ignacio Ybanez, chefe da Delegação da União Europeia no Brasil
“A perspectiva de integrar comunidades e suas atividades econômicas à paisagem passa pelas três áreas eleitas como prioridade pela União Europeia: alimentação, biodiversidade e clima. E quando olhamos para o planeta, o Cerrado sul-americano tem um peso significativo em todas elas”, explica o Embaixador Ignacio Ybanez, chefe da Delegação da União Europeia no Brasil.
A bacia do rio La Plata, que abrange partes do Brasil, Paraguai, Bolívia, Argentina e Uruguai, tem 73% de suas águas oriundas do Cerrado. No caso do Brasil, 70% do território recebe águas do Cerrado. O maior aquífero do mundo, o Guarani, tem suas principais nascentes no Cerrado. O Cerrado nordestino é um elo fundamental no transporte da umidade atmosférica do Atlântico para a Amazônia, de onde segue para regiões mais ao sul no Brasil e para a Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai.
Essa umidade é essencial para consumo humano, agricultura, indústria e energia hidrelétrica. Isso torna o Cerrado vital para a conservação da biodiversidade, abastecimento de água para consumo humano, agricultura, indústria, energia hidrelétrica, redução das emissões de gases de efeito estufa e segurança alimentar e hídrica em escala continental ou mesmo global.
A região do Cerrado produz 70% da produção agrícola do Brasil. Esta agricultura é uma das principais atividades econômicas do país, correspondendo a 44% das exportações do Brasil. Isso torna o Cerrado um ecossistema fundamental para a economia do país. Mas o Cerrado é mais que isso: ele presta serviços ecossistêmicos vitais como o fornecimento de água superficial, subterrânea e atmosférica para grande parte da América do Sul.
O ponto de partida do CERES é um olhar abrangente, que vai além das grandes plantações de soja, milho e algodão e inclui modos de produção e populações que hoje têm pouca visibilidade, apoio técnico e proteção de políticas públicas.
Segundo o Censo Agropecuário Brasileiro de 2006, 69% de todas as propriedades rurais do bioma pertencem a pequenos agricultores. Além disso, o Cerrado abriga inúmeros grupos indígenas e milhares de comunidades locais que dependem da biodiversidade para sua subsistência.
Para além das fronteiras brasileiras, nas áreas de transição do norte do Paraguai, o Cerrado é território ancestral de populações Ayoreo em isolamento voluntário. De acordo com levantamento recente realizado por ISPN em parceria com IPAM e Rede Cerrado, existem 3,5 mais comunidades tradicionais no Cerrado do que indicam os dados oficiais, que contam apenas 83 comunidades indígenas no bioma.
“Apoiar essas famílias permite a manutenção de um mosaico de paisagens, incluindo a conservação da vegetação nativa, além de melhorar a segurança alimentar e aumentar a geração de renda com base na produção sustentável, e reduzindo a migração para áreas urbanas.”
Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga no ISPN
Todos esses grupos são fundamentais para a segurança alimentar, respondendo pela produção dos principais produtos alimentícios da dieta básica, já que os grandes produtores estão focados em uma produção menos diversa. Esse lado não tão conhecido do Cerrado produz uma grande variedade de produtos, incluindo aqueles relacionados com a sociobiodiversidade, como frutas, castanhas, fibras, mel, flores e artesanato.
As práticas agrícolas de monocultivos diminuem a capacidade de infiltração do solo, causando erosão e aumentando o escoamento das águas pluviais, levando sedimentos e poluentes aos cursos d’água. O assoreamento dos cursos de água agrava a escassez de água durante a estação seca e contribui para inundações durante a estação chuvosa. Várias comunidades locais viram seus cursos d’água secarem ou serem contaminados.
A produção em monocultura também leva à perda de variedades de sementes de culturas tradicionais e à erosão genética. Alterações no ciclo hidrológico já foram atribuídas a uma sequência de anos com extensos incêndios florestais e o desmatamento tem exacerbado a estação seca.
Muitos territórios tradicionais estão rodeados por monoculturas, com quem concorrem no acesso aos recursos naturais dos quais tradicionalmente dependem. Como resultado, além de outros processos como a contaminação do solo e da água, a especulação fundiária e a falta de infraestrutura e de acesso à saúde e educação, a emigração e a venda de terras para fazendeiros maiores se tornou mais comum.
Com duração prevista de quatro anos, o projeto foi estruturado em três eixos complementares: agricultura sustentável e sistemas alimentares de baixo carbono; conservação por meio do uso sustentável da sociobiodiversidade e do fortalecimento das áreas protegidas; e fortalecimento de políticas públicas e privadas e práticas de segurança hídrica e alimentar, manejo sustentável da paisagem e redução da conversão de ecossistemas.
“Na prática, o CERES será um grande laboratório socioambiental, identificando e testando soluções com potencial de serem disseminadas para outras localidades além daquelas onde incidiremos diretamente”, explica Carolina Siqueira, Coordenadora de Conservação do WWF-Brasil. “Ao fim do projeto esperamos deixar um legado permanente de desenvolvimento sustentável e inclusivo para o Cerrado”, conclui.
A implementação do projeto a está baseada em uma abordagem integrada da paisagem com plataformas multi-stakeholders, instrumentos de participação social e o aprimoramento de mecanismos técnicos e financeiros de recuperação ambiental. Essas redes disseminarão boas práticas agrícolas, dando mais robustez a cadeias de valor da sociobiodiversidade, com foco e no fortalecimento de políticas e sistemas de gestão de recursos hídricos e fundiários.
O CERES também visa apoiar a redução do desmatamento no Cerrado, o que significa que também haverá interlocução com produtores de maior escala para soluções mais sustentáveis para a ampliação de área produtiva através da reabilitação de áreas degradadas, para reduzir a pressão por mais conversão de vegetação nativa.