Imagine a cena: uma mãe está levando seu filho até uma rodovia, para que de lá ele possa pegar o ônibus até a escola. Caminham por dois quilômetros na estrada de terra. De repente, um barulho, seguido de desespero: lá vem o avião que joga agrotóxico nas plantações de cana da indústria de etanol que se estabeleceu na região há cerca de 20 anos. A família desta mãe e deste filho, que agora correm sem rumo tentando escapar do veneno que cai sobre eles, está há mais de 100 anos ali. São quilombolas do Quilombo Saco-Barreiro, localizado na zona rural de Pompéu, cidade mineira a 180 quilômetros de distância da capital.
Os efeitos do agrotóxico na saúde da comunidade são vários: nos dias em que o veneno é jogado, há desmaios, enxaqueca, insônia, diarréia, alergias na pele, falta de ar. A população hoje tem problemas nos rins e na visão, por exemplo, que não eram registrados em quem viveu antes da chegada da empresa Agropéu.
A Agropéu – Açúcar, Etanol e Energia plantou canaviais em volta de toda a comunidade, a deixando ilhada no meio da monocultura de cana-de-açúcar. O quilombo vivia de forma sustentável, com a agroecologia tradicional, mas tem tido sua subsistência sistematicamente atacada pela empresa, que já invadiu parte das terras quilombolas. A comunidade já chegou a registrar a morte de 60 galinhas, de uma só vez, devido ao envenenamento pelas substâncias tóxicas pulverizadas na área, que contaminam os insetos, alimentos das galinhas. Um mosquito criado em laboratório para atacar as pragas da cana se alastrou pela comunidade e virou parte do cotidiano: eu estive lá e fui picada por eles o dia inteiro.
Que direito tem uma empresa de infernizar a vida de uma comunidade tradicional?
O uso dos agrotóxicos contamina o ar, as águas e a terra. O córrego Pari, que passa pelo território quilombola, se tornou impróprio para os diversos usos que a comunidade fazia dele: cozinhar, banhar, irrigar as plantações. A PUC Minas realizou um estudo da qualidade da água e constatou contaminação, além da presença das substâncias tóxicas na água dos poços e no filtro das casas.
O jiló, a jaca, o feijão, as laranjas: nada mais vinga e cresce como antigamente. O Quilombo Saco-Barreiro foi certificado pela Fundação Palmares em 2008, e das 38 famílias que lá viviam, hoje restam 17. A degradação da qualidade de vida no local, empreendida pela empresa Agropéu e pelo poder público que autoriza todas essas violações de direitos humanos e ambientais, afastou muitas famílias da vida que outrora era sustentável, saudável, despoluída, em comunhão com a natureza e com os recursos naturais.
Sobre o poder público, há um conluio: denúncias de que a Polícia Militar da cidade abastece gratuitamente seus veículos com o combustível fornecido pela Agropéu, por exemplo. Sucessivas gestões da prefeitura não enfrentaram os interesses do agronegócio, pelo contrário, abrem caminho para que o Quilombo Saco-Barreiro esteja cada vez mais lesado de seus direitos constitucionais.
Se o povo negro não soubesse resistir, nem eu estaria aqui para contar essa história. Faz 521 anos que tentam nos massacrar. O povo quilombola resiste, mas urge a atuação das entidades que são co-responsáveis por essa tragédia: a prefeitura de Pompéu, a Fundação Palmares, o Ministério Público, o INCRA, os órgãos de defesa dos direitos humanos e do meio-ambiente.
As ações tem morrido na praia sem conseguir de fato livrar o quilombo dessa destruição capitalista e suicida. Meu mandato se soma nesses esforços: realizei reunião no INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para conversar sobre a regularização das terras do quilombo; realizei reunião com a Cemig, para apresentar a demanda por energia elétrica na comunidade (e em outras comunidades quilombolas); estamos providenciando um veículo para auxiliar na logística do quilombo; e tomando outras iniciativas, acompanhando e fiscalizando de perto.
A vida no quilombo seria uma amostra do paraíso: comer o que se planta, nadar no riacho, compartilhar tudo, viver da generosidade da natureza.
O agronegócio e seus cúmplices tem tentado transformar em inferno. Nós seguimos resistindo e trabalhando para virar essa página da história secular do Quilombo Saco-Barreiro e voltar a ver as plantações agroecológicas em seu maior potencial e as famílias vivendo livres, felizes e saudáveis, sem ter que correr de chuva de veneno.