03/10/2024
Iniciativa do cineasta-educador surgiu a partir de conversas com crianças da comunidade quilombola Vila Nova, no Vale do Jequitinhonha
Kaique dos Santos, que conduz a narrativa do filme ‘A Mensagem de Jequi’, longa de Igor Amin com previsão de lançamento para 2025
Com instalações interativas distribuídas em quatro salas da Galeria Mari’Stella Tristão, no Palácio das Artes, a exposição “Telegarrafas”, desdobramento de um projeto do cineasta-educador Igor Amin, que propõe uma reflexão sobre a nossa relação com as infâncias e com as águas, teve sua origem na comunidade quilombola de Vila Nova, localizada em São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro, no Vale do Jequitinhonha.
“Eu me mudei para lá (para o distrito) em 2018, quando iniciei meu mestrado pela Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Diamantina”, lembra, inteirando que, logo, tornou-se voluntário da Escola Estadual Mestra Virginia Reis, frequentada principalmente por crianças quilombolas. Foi essa experiência que fez crescer nele o desejo de rodar um filme que, pelo olhar daquelas crianças, falasse sobre como os rios, entre outras tantas funções, são fundamentais para a formação da identidade de um povo e enriquecem a infância.
E essa relação estreita da origem do projeto com esse grupo étnico, que se formou a partir de um processo histórico de resistência à escravidão no Brasil, não se perdeu no decorrer do desenvolvimento dessas atividades. Não por outro motivo, Arlei Ciano, vice-presidente da comunidade Vila Nova, acompanhou todo o processo de montagem da exposição com um misto de euforia e orgulho. Um trabalho, aliás, que ele vem acompanhando desde o nascedouro do projeto “Telegarrafas”.
“Quando comecei a me envolver, a ideia da mostra ainda nem sequer existia”, relembra Ciano, assinalando que, naquele momento, a ideia era realizar oficinas de vídeo e de reciclagem, convidando crianças a deixarem mensagens em vídeo em garrafas – que seriam lidas por meio de QR code. Em paralelo, já havia a intenção de transformar a proposta em uma narrativa audiovisual. “Então, eu comecei trabalhando como produtor do filme ‘A mensagem de Jequi’”, comenta, fazendo referência ao terceiro longa de Igor Amin, com previsão de lançamento para 2025.
Arlei Ciano e Delane Euzébio na exposição Telegarrafas | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo
Na exposição, Arlei Ciano vem atuando na cenografia, papel que divide, entre outras pessoas, com Delane Euzébio, da mesma comunidade quilombola. Sobre a experiência, tanto quanto ao colocar a mão na massa na montagem das instalações, ela não poupa animação. “Está sendo incrível. Especialmente porque toda essa história começou em um território nosso, a partir do trabalho do Igor com crianças da nossa comunidade. Inclusive um dos protagonistas (do filme e de algumas das obras) é o Kaique, meu sobrinho”, ressalta.
Dada a largada à visitação da mostra, a expectativa de Arlei e Delane é que tudo continue fluindo bem, como desde o início. “Esse convite nos empolgou muito porque compartilhamos das mesmas ideias que estão na base do projeto. Nós somos defensores das águas, dos rios e temos esse contato original com a terra”, exalta ele.
Para Kaique dos Santos, 9, um dos protagonistas de uma das instalações da mostra, que conduz a narrativa do filme “A mensagem de Jequi”, todo o projeto é encarado como uma divertida brincadeira.
“Eu acho que foi no ano passado, em maio (quando começaram as filmagens)”, relembra. “Só sei que foi muito bom. A gente atravessou o rio e tiramos uns lixos que estavam lá. A gente viu uma garrafa e foi pegar”, narra, inteirando que, depois de feita a primeira cena, “a gente caiu na água”. “E nós ficamos lá um tempão, depois a gente foi gravar de novo”, diz, risonho.
De um jeito despreocupado, o menino prossegue resumindo as gravações seguintes. “Depois, peguei a garrafa e levei para casa. Fiquei brincando, fingindo que olhava por dentro dela… Aí passa um barquinho, eu entro no rio e vamos descendo (por cidades da região do Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha)”, cita, inteirando que, nas gravações, teve passeio de bicicleta, futebol e outras tantas diversões.
Público interage com instalação na mostra Telegarrafas | Crédito: Fred Magno/O Tempo
Quando participou do projeto “Telegarrafas”, Kaique também deixou uma mensagem em vídeo, que chegou a outras crianças. Mas ele não se lembra bem. “Acho que eu falei quem eu era, que eu morava em São Gonçalo do Rio das Pedras, para que quem pegasse a garrafa soubesse”, tenta recordar. Na dúvida, a reportagem convidou ele a fazer de conta que a entrevista fosse também uma “telegarrafa”, capaz de transportar uma mensagem dele a outras tantas pessoas. O recado veio singelo e ritmado: “Água é vida, água é amor, quem trata da água, a água dá amor”.
Sobre o projeto, que se desdobra em oficinas de reciclagem, exposição e filme, Igor Amin explica que seu principal objetivo é a defesa da garantia do direito dessas crianças de coexistirem com as águas dos seus territórios. “A gente precisa honrar e lutar para que essas crianças tenham suas águas preservadas. Isso é algo que a gente vê em um contexto de crise climática, de queimadas, de seca… As crianças são muito impactadas por isso. E vão ser ainda mais, no futuro, se essa realidade não mudar”, avalia.
Crianças assistem à projeção em instalação da mostra Telegarrafas | Crédito: Fred Magno/O Tempo
O cineasta-educador detalha que a exposição vai ocupar, ao longo de dois meses, três espaços diferentes: após passagem pelo Palácio das Artes, a mostra segue para o Palácio da Liberdade, onde permanece entre os dias 23 e 31 de outubro.
“Posteriormente (entre 1º e 29 de novembro), ela vai para um lugar muito especial em Betim, na região metropolitana de BH: a Casa de Cultura Josephina Bento, que recebeu esse nome em homenagem à primeira professora negra que ocupou o espaço na cidade, culminando com o resultado de mais de 20 oficinas realizadas nas escolas públicas da cidade, onde garrafas estilizadas por essas crianças, que vão deixar suas mensagens, serão expostas”, anima-se o artista.
SERVIÇO:
O quê. Exposição “Telegarrafas”, com curadoria de Igor Amin
Quando. Até 20/10. Visitação de terça a sábado, de 9h30 às 21h; domingo, de 17h às 21h
Onde. Galeria Mari’Stella Tristão – Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, centro)
Quanto. Entrada gratuita