A trajetória das mulheres da metropolitana começa há 20 anos atrás, com a primeira ocupação. Em 2019, o assentamento 2 de Julho, localizado em Betim (MG), completa 20 anos de luta e resistência.
O início da regional e do protagonismo das companheiras buscava garantir a organicidade dos acampamentos pautando as escolas do campo, a saúde coletiva de qualidade, os tratamentos alternativo e o direito a uma vida digna. Ao todo, a regional tem cinco assentamentos: 2 de Julho, Ho Chi Minh, João Pedro Teixeira, Resistência e Ismene Mendes.
Em 2016 houve uma retomada no processo de enfrentamento direto ao capital, ocupando as terras do corrupto Eike Batista, e surgem o acampamento Maria da Conceição (2016) em Itatiaiuçu, e os acampamentos Pátria Livre (2017) e Zequinha (2018) em São Joaquim de Bicas.
Segundo Mirinha Muniz, da direção estadual do MST, a partir dessa luta, que mistura ainda mais o povo rural e o povo urbano, “a mulherada se provocou a sair do espaço do lar e começou a se preocupar com a saúde, e ir aos espaços públicos pedir por educação. Hoje temos 150 pessoas matriculadas na Escola Elizabeth Teixeira, do acampamento Pátria Livre, e continuamos a luta para abrir a Escola do acampamento Maria da Conceição”.
Com o crime da Vale em Brumadinho, as mulheres mais uma vez tiveram que assumir o papel de protagonistas para lutar pelo reconhecimento de serem consideradas atingidas pelo crime em seus territórios e terem seus direitos garantidos. Na regional três áreas foram afetadas: o assentamento 2 de Julho, acampamento Pátria Livre e o acampamento Zequinha, além da perda de produção pela falta de água, vários problemas de saúde e transtornos impactaram diretamente na vida das famílias.
Coletivos que cultivam a terra e a harmonia
Manter a organicidade das áreas do Movimento é uma das tarefas mais importantes do MST, e na metropolitana as mulheres são principais responsáveis por ela. Em todos os acampamentos, elas ajudam a garantir a mística e a leveza de ser Sem Terra, e contribuem na saúde, na educação, na disciplina, na comunicação, na secretaria, na cultura, nas finanças e em todos os espaços políticos e organizativos. Mas para dar esse passo organizativo, as mulheres se organizaram primeiramente na produção, para pensar a auto-sustentação e a alimentação saudável no meio rural.
No assentamento Ho Chi Minh, a discussão da retomada da organização das mulheres e criação de um coletivo já se iniciou, principalmente através do resgate da história de luta de cada uma delas, desde a construção do setor de saúde e a luta para criar os filhos com dignidade, ao sacrifício que algumas fizeram através da militância nas áreas enquanto os maridos iam para as lutas do Movimento.
Elisângela Pereira é uma das mulheres do assentamento Ho Chi Minh que está auxiliando nesta construção. Ela afirma que, mesmo com dificuldades, essa retomada é muito importante. “Para as mulheres do campo, é mais difícil se juntar pelas distâncias, mas com pequenos coletivos a gente consegue fazer muita coisa. O feminismo não é só para as mulheres, o feminismo é para toda a sociedade”.
A militante do setor de educação reforça a importância das trocas de experiência entre as mulheres como forma de fortalecimento e criação de vínculos, a fim de superar as próprias contradições do cotidiano. “Eu vejo a auto-organização das mulheres como um instrumento muito poderoso, potente e forte para a gente utilizar contra as cercas que nos aprisionam, o machismo, o patriarcado, a sociedade capitalista”, explica.
Hoje a regional conta com três coletivos de mulheres atuando diariamente, o Marias do 8 de Março foi o primeiro, e é uma homenagem das mulheres do acampamento Maria da Conceição à companheira que nomeia o acampamento, que morava noassentamento João Pedro Teixeira. Ela contribuiu no trabalho de base para a ocupação da área na jornada das mulheres no 8 de março, mas faleceu antes da data, e por isso ficou na história das Marias que continuam a luta no território. O nome do coletivo também relembra a bravura das dirigentas de Minas Gerais que ocuparam as terras do Eike Batista durante a jornada em uma ação de enfrentamento direto ao capital. Elas pariram uma filha saudável, que respira a plenos pulmões e está a ponto de inaugurar uma escola do campo.
Em seguida, surge o coletivo Somos Todas Margaridas, do Acampamento Pátria Livre. As mulheres se organizam não apenas na produção e na horta coletiva, mas também para debater e construir soluções para os problemas cotidianos que elas enfrentam no dia a dia. Cíntia Cearense, do setor de finanças do acampamento, conta que o coletivo trouxe mudanças visíveis na vida das mulheres.
“Nós mulheres já atuamos nas áreas, nosso coletivo nos proporciona momentos inesquecíveis, onde aprendemos com as outras companheiras e vemos que não é só a gente que passa certas situações, e isso nos fortalece”. Cíntia brinca que costumava ser uma mulher de casa, e agora é da luta. Sobre a autoestima, ela conta que aprendeu que “as mulheres bonitas não são aquelas que estão estampadas nas revistas, são as mulheres guerreiras, que estão nas nossas lutas”.
O Coletivo Frida Kahlo é a filha mais nova das mulheres da regional, e nasce de uma construção coletiva entre os sujeitos LGBTs e as mulheres do acampamento Zequinha para pensar a vida coletiva, a produção e a solidariedade. Atualmente, o acampamento está construindo a Casa das Mulheres, que será a sede do coletivo.
Dora Lopes, acampada no Zequinha, e parte do setor de educação conta que sua experiência com as mulheres tem melhorado muito a sua forma de enxergar as situações do cotidiano. “Eu sou muito realizada! Se eu soubesse que era desse jeito o MST, eu teria vindo muitos anos atrás..”, conta.
Magda da Silva, que também faz parte do coletivo, comenta que está chegando agora no Movimento, mas já planta bastante no seu pedaço de chão, e consegue organizar para produzir coletivamente junto com as outras companheiras do acampamento, para gerar renda e sustentação para as famílias. Ela conta que é muito bom participar e “se sentir feliz em poder estar junto com o povo!”
Quando elas se juntam
Neste período, as mulheres da metropolitana participaram de várias lutas nacionais, estaduais e locais do Movimento, trazendo presente a cultura e a identidade de um povo marcado pelo processo de favelização e retorno à raiz camponesa, e que aprendeu a superar as dificuldades da vida com um sorriso no rosto. Desta rebeldia de não se curvar aos desafios, surgiram militantes que hoje contribuem muito na organização em todos os níveis.
“A nossa regional tem muitas dirigentas mulheres, que acompanham politicamente mesmo, coordenando acampamento, como a Alessandra, mulher LGBT, temos dirigentas estaduais, dirigenta na comunicação, coordenadoras de setor, mas ainda precisamos avançar no combate ao machismo e na auto-organização das mulheres”, explica Mirinha.
Segundo ela, ao todo 150 mulheres estão organizadas nos coletivos das áreas, e em torno de 60 mulheres, entre acampadas e assentadas, cumprem hoje tarefas orgânicas e políticas na organização.
“As nossas mulheres também estão envolvidas no Congresso do Povo, nas relações com os parceiros nas regiões, principalmente em relação ao crime de Brumadinho, e essa história tem muito a avançar!”, comemora a dirigenta, reforçando o início da organização do I Encontro de Mulheres da Regional Metropolitana, 28 e 29 de setembro.
*Editado por Fernanda Alcântara