16/11/2020
A tumultuada eleição municipal que se encerrou para a imensa maioria das cidades neste domingo (15) mostra, no caso de importantes cidades mineradoras, o predomínio de velhos feudos políticos, reeleição de candidatos, prefeitos que acumulam mandatos e denúncias de corrupção e uso indevido de dinheiro público. Alguns pleitos serão inclusive decididos na justiça.
É o caso da eleição de Celso Cota (MDB) em Mariana (MG), centro do maior desastre ambiental da história do Brasil e primeira capital de Minas Gerais. Esta foi a quarta vez que Celso Cota, de camisa listrada e braços abertos na imagem em destaque, foi eleito prefeito de Mariana.
O último dos primeiros 3 mandatos (2001-2004; 2005-2008; 2013-2015) foi interrompido em 2015 por denúncias de improbidade administrativa. Afastado, assumiu o vice, Duarte Júnior, que acabou eleito em 2016. Celso Cota, mesmo com os direitos políticos suspensos, tenta voltar a ocupar o cargo mais importante de Mariana em um momento crucial, quando o retorno das operações da Samarco é esperado ainda para o fim de 2020.
O rompimento da barragem completou 05 anos agora em novembro repleto de impunidade e com uma verdadeira campanha pela volta das atividades da mineradora. A justiça britânica também acaba de rejeitar o pedido para que a BHP, sócia da Vale na Samarco e maior mineradora do mundo, seja julgada no Reino Unido pelo rompimento. Os advogados que representam 200 mil pessoas no Brasil e o povo indígena Krenak devem recorrer da decisão.
A eleição de Celso Cota será decidida pela justiça.
Celso Cota também é pai do deputado estadual Thiago Cota (MDB). Em 2014, quando foi eleito deputado, Thiago Cota recebeu R$ 110 mil das mineradoras Phoenix e Corumbaense. Seu partido na época, o PPS, levou mais de R$ 2 milhões em doações de empresas como Vale, Braskem, Gerdau e AngloGold.
Em 2018, Thiago Cota foi um dos 3 deputados que votaram contra um parecer para o PL 3.676/16, batizado de “Mar de Lama Nunca Mais” justamente pelo rompimento em Mariana. O PL, que endurece regras para as barragens de rejeitos em MG, acabou ficando na gaveta da Assembleia minera e só foi aprovado após o rompimento da barragem de Brumadinho.
Em 2014, última eleição em que a doação empresarial foi permitida, as mineradoras ajudaram a eleger 56 dos 77 deputados para a ALMG. Nada menos que 7 em cada 10 deputados estaduais vitoriosos receberam dinheiro do setor.
A situação em Brumadinho é semelhante. O prefeito Avimar Barcelos (PV), que usa o nome “Neném da Asa”, referente à faculdade que possui na cidade, foi reeleito para o segundo mandato seguido.
Avimar, no entanto, já foi prefeito de Brumadinho entre 2009 e 2012. Em 2019, Avimar Barcelos foi denunciado pelo Ministério Público Federal por crimes como uso de documentos falsos e uso indevido de dinheiro público.
E condenado no mesmo ano pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais por uso indevido de recursos oriundos da exploração de minério na cidade, configurando improbidade administrativa. Avimar utilizou os royalties da mineração para outras finalidades – como pagar aluguel de prédios e salários de funcionários – que não são permitidas.
Os irmãos do prefeito, Emilson Custódio Melo Barcelos e Alcimar Barcelos, também foram denunciados na ocasião. Alcimar é Secretário de Obras e Serviços Públicos de Brumadinho.
Antes, em 2016, Avimar Barcelos também foi denunciado por obras sem licitação no Rio Paraopeba no valor de R$ 3 milhões, que geraram uma investigação e multa da Controladoria Geral da União, e por recebimento de doações “excessivas”.
Nada disso impediu que “Neném da Asa”, que tem uma atuação no mínimo dúbia em relação à Vale no caso de Brumadinho, chegue agora ao terceiro mandato de prefeito.
Parauapebas, no Pará, centro do maior projeto de extração de minério de ferro do mundo, de propriedade da Vale, é também o maior município minerador do Brasil e movimenta centenas de milhões de reais por ano.
E a administração da cidade ficará novamente a cargo do prefeito Darci Lermen (MDB), que acaba de ser reeleito. Castigada pela pandemia de Covid-19 em grande parte alimentada pela própria Vale, que não tomou medidas eficazes para proteger os milhares de trabalhadores que tem na cidade, Parauapebas, com 200 mil habitantes, registrou mais de 28 mil casos de Covid-19 e 195 óbitos até o momento.
Áudios que obtive do diretor de um hospital local quando morreu um trabalhador da Vale por Covid-19 no início de abril, mostra uma atuação no mínimo questionável do prefeito Darci Lermen.
Trata-se, novamente, de mais um caso de político que empilha mandatos no comando da mesma prefeitura. Este será o quarto mandato de Darci Lermen à frente de Parauapebas. Ele já foi prefeito de 2005 a 2012 e está no cargo desde 2017.
De modo geral, a direita e a extrema-direita chegaram ao poder em várias importantes cidades mineradoras. É o caso de Cláudio Dinho do MDB em Congonhas (MG), que tem como vice Paulinho Anamar, do PSL e de Orlando Caldeira e João Marcelo, do Cidadania, eleitos em Itabirito e Nova Lima, respectivamente.
Zé Fernando, também do MDB, obteve vitória acachapante (88% dos votos) em Conceição do Mato Dentro (MG), centro de um grande projeto de minério da Anglo American.
Em Paracatu, que vive da exploração de ouro feita pela canadense Kinross, venceu Igor Santos do DEM.
No Pará, Tião Miranda do PSD levou em Marabá, Josemira do MDB foi eleita em Canaã dos Carajás e Valmir Climaco do MDB levou em Itaituba, maior polo de mineração ilegal do Brasil. Climaco acumula uma infinidade de denúncias e condenações, incluindo crimes ambientais.
Partidos de direita seguiram levando prefeituras importantes no Pará, de cidades que estão entre as maiores arrecadadoras de impostos da mineração. Em Paragominas, venceu Doutor Lucidio, do PSD e em Oriximiná, Delegado Fonseca, do PRTB.
Candidatos considerados de “centro” se elegeram em outros municípios. Em Minas Gerais, em Barão de Cocais, Sabará e Itabira venceram candidatos do PSB. Itabira ficou nas mãos de Marco Antônio Lage, ex-diretor da Fiat Chrysler e da Cemig. Em São Gonçalo do Rio Abaixo, que tem importante mina da Vale, venceu um político do PDT. Em Ouro Preto, o eleito foi Angelo Oswaldo, do PV.
A direita fez a festa até em Juazeiro, na Bahia, com Suzana Ramos, do PSDB. Em Godofredo Viana, no Maranhão, venceu Sissi Viana, do Republicanos. Em Pedra Branca do Amapari, no Amapá, venceu Beth Pelaes, do DEM. Em Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso, Mauricio Romero (PSD) foi reeleito.
A única cidade mineradora com uma candidatura claramente de esquerda – pelo menos em tese – vencedora nas eleições municipais foi Jacobina na Bahia, com Tiago Dias, do PC do B.
A história nos mostra, no entanto, que mesmo que a direita seja mais alinhada às mineradoras, o viés ideológico costuma ficar de lado na hora que os políticos se sentam na mesa dos lobistas do setor mineral.
O quadro das eleições 2020 indica que as mineradoras terão bons aliados aos seus interesses de norte a sul do Brasil.