Reunião das lideranças Kamakã Mongoió com representantes da FUNAI, CPT e CEDEFES, dia 06/6/2018.
Foi na passagem do ano 2016 para 2017 que dezenas de famílias indígenas, antigas moradoras da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), apoiadas pela Associação dos Povos Indígenas de Belo Horizonte e Região Metropolitana (APIBHRM), ocuparam parte de uma das três fazendas da Fundação Educacional Caio Martins (FUCAM), denominada fazenda Santa Tereza, localizada no munícipio de Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte. O município de Esmeraldas tem uma população de 66 mil habitantes. A localidade onde atualmente se encontra a “Retomada” – nome que consideram mais adequado, pois se trata de uma ocupação de povo indígena, quer dizer, autóctone. A FUCAM, no momento da retomada, se encontrava totalmente abandonada e ainda se encontra com várias de suas instalações, benfeitorias e casarios em processo de abandono ou subaproveitadas pelo Estado de Minas Gerais. Somente após a Retomada Indígena que a direção da FUCAM se preocupou em dar alguma utilidade social para o grande patrimônio ali existente. Portanto, a função social das propriedades da FUCAM não estava sendo respeitada.
Essa retomada pressiona o Estado brasileiro, que não coloca em prática o que prescreve a Constituição Federal sobre os Direitos Indígenas. Desaldeados por um Estado cúmplice do latifúndio e do agronegócio, indígenas que moravam na RMBH e possuíam uma série de problemas ligados à moradia, risco social, carência alimentar e dificuldade de acesso às políticas públicas decidiram então ocupar esta fazenda depois que ficaram sabendo na própria Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) da existência de terrenos e benfeitorias em situação de abandono e que já teria sido voltada no passado à formação agrícola de centenas de jovens e outras ações educativas. Indignados com o descaso e com a falta de diálogo junto ao poder público, os indígenas decidiram retomar essa terra do Estado, mas que em última instância era dos povos indígenas, para servir de lugar comum de convívio social, cultural e de produção coletiva. Esse território em retomada foi então denominado Aldeia Kamakã Grayra, em homenagem a Jacinta Grayra, última ancestral que falava a língua Kamacã.
Interessante ainda notar o processo de reafirmação étnica pelo qual passam estas famílias indígenas em Esmeraldas, em busca de sua história ancestral que é Kamakã Mongoió, uma das seis etnias que compõe o Povo Pataxó Hahahâe, na Bahia.
De fato, em nova visita dia 06 de junho de 2018, representantes do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), CPT (Comissão Pastoral da Terra) e da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) constataram que se trata mesmo de uma localidade com sinais claros de abandono e obsoleta, onde podem ser notadas várias casas arruinadas com janelas e vidros quebrados, telhados parcialmente desmoronados, cômodos mofados, mato ao redor de casarios fechados sem qualquer sinal de uso. Uma grande lagoa situada na propriedade continua tomada por plantas aquáticas que podem estar comprometendo a vida deste aquífero e dos animais que dela necessitam. Nascentes de água encontram-se assoreadas. Os indígenas pretendem, por meio de projetos de sustentabilidade ambiental, realizar a recuperação desta área, que se encontra próxima da calha principal do rio Paraopeba, que na língua tupi, significa Rio Largo. De fato, o rio Paraopeba irriga 35 municípios ao percorrer 510 quilômetros, nascendo no município de Cristiano Otoni – onde sua nascente está secando – e desaguando no rio São Francisco, em Felixlândia, na barragem de Três Marias. O rio Paraopeba está clamando por revitalização, pois está sendo poluído de uma forma assustadora, inclusive com produtos químicos. A presença dos indígenas na bacia hidrográfica do rio Paraopeba, sem dúvida, será um fator que alimentará as forças vivas em prol da preservação do rio.
Sessenta e duas famílias indígenas Kamakã, em um total de 264 pessoas, continuam abrigadas no mesmo casarão que já estava absolutamente abandonado na ocasião da sua chegada, mas que agora nota-se em seu entorno plantio de hortas, feijão, mandioca e mudas frutíferas. A Cacica Éxina (que significa Onça Guerreira) Kamakã, Marinalva Maria de Jesus, e o grande líder Vice-Cacique Merong Kamakã Mongoió, que voltou a sua terra natal BH, após ter morado oito anos em Porto Alegre, RS, informaram que mais famílias indígenas pretendem ainda vir para o local em apoio a esta importante retomada, a primeira 100% indígena na RMBH. Importante passo foi dado esta semana pela Coordenação Regional da FUNAI, de MG-ES, ao realizar a etapa denominada “Qualificação”, abrindo oficialmente o processo de diagnóstico e de análise a partir da demanda perpetrada pela comunidade indígena Kamakã que se encontra na Fazenda Santa Tereza, em Esmeraldas.
Irmanados na luta junto à Comunidade Indígena Kamakã Grayra, o CEDEFES, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e a CPT reivindicam do Governo do Estado de Minas Gerais, da Direção da FUCAM e da Mesa de Negociação do Governo com as Ocupações que empreendam processo de negociação sério e ético que contemple o reconhecimento da legitimidade da Retomada do Povo Indígena Kamakã da Aldeia Kamakã Grayra, em Esmeraldas, MG. Se a FUCAM está com três fazendas em Esmeraldas sem cumprir sua função social e se há, segundo o censo do IBGE de 2010, mais de 7.000 indígenas em Belo Horizonte e região metropolitana, o justo e necessário é que se reconheça a legitimidade dessa Retomada Indígena, Aldeia Kamakã Grayra, e se efetue a Concessão de Uso da terra para a Comunidade indígena que retomou essa terra há 1 ano e meio, desde 1º de janeiro de 2017.
Reivindicamos, ainda, que o processo de negociação seja urgente para um desfecho justo e pacífico desse grave conflito agrário e social, evitando qualquer forma de violência e repressão, reconhecendo o quanto antes o direito à terra e à dignidade dos povos indígenas da RMBH. Os povos indígenas são, de fato, guardiães da natureza e são quem mais tem autoridade para nos mostrar o caminho a ser trilhado para construirmos uma sociedade que supere o capitalismo, essa máquina de moer vidas, e nos garanta a construção de uma sociedade justa, solidária, democrática e sustentável ecologicamente.
Assim como o povo indígena Tapirapé ressurgiu em São Félix do Araguaia, MT, povos indígenas estão ressurgindo na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Que beleza!
Assinam essa Nota Pública:
Lideranças da Aldeia Kamakã Grayra, em Esmeraldas, MG;
CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva);
CPT/MG (Comissão Pastoral da Terra);
CIMI (Conselho Indigenista Missionário);
Esmeraldas, MG, 10 de junho de 2018.
Obs.: Nota publicada em vários sites e blogs, entre os quais, www.cedefes.org.br , www.cptmg.org.br , www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
Abertura da reunião com dança e mística típica Kamakã Mongoió, na Aldeia Kamakã Grayra, dia 06/6/2018.