“Saúde para os povos indígenas começa desde o território. Não se promove saúde se não tiver um território saudável, onde se vive e pratica a cultura”, ressalta Alexandre Pataxó, vice cacique da Aldeia Pataxó em Carmésia, município localizado a cerca de 200 km de Belo Horizonte (MG). Alexandre, que também é presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) participou, junto com outras lideranças, de uma mesa redonda sobre saúde indígena, nesta terça (15), na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O evento fez parte do simpósio internacional sobre atenção primária.
A atenção à saúde indígena é regida por uma política nacional regulamentada pelo Decreto nº 3.156, de 27 de agosto de 1999, que visa à implementação de um modelo complementar ao Sistema Único de Saúde (SUS), voltado para a proteção, promoção e recuperação da saúde dos povos indígenas. Desde então, uma rede de serviços foi criada como forma de superar as limitações do SUS relacionadas à cobertura e acesso aos equipamentos de saúde, formando o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS).
No Brasil, os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que são as unidades gestoras do SasiSUS, possuem Polos Base – espécie de postos de saúde – onde uma equipe multidisciplinar atende parte das demandas dos indígenas. Essas equipes são formadas por médico, enfermeiro, nutricionista, dentista e outros profissionais, incluindo Agentes Indígena de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (Aisan).
O cacique To’ê Pankararu relata que em sua aldeia, chamada Cinta Vermelha Jundiba, localizada em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, existe desde 2010 um Polo Base, o que facilitou o acesso dos indígenas às políticas de saúde pública. “A saúde [o Subsistema] hoje por ser específica, diferenciada, é uma conquista das nossas lideranças indígenas. Tivemos lideranças que nem usufruíram, porque perderam a vida antes da gente ter essa assistência mais completa. Lógico que não está 100%, mas melhorou bastante”, avalia.
Segundo Alexandre Pataxó, a atenção primária diferenciada oferecida aos indígenas está relacionada às questões culturais de cada povo. “A especificidade para gente é a forma de viver, a visão de saúde que cada povo tem e a organização social que ao longo dos anos foi construída pelas lideranças”, explica. Desde a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão responsável por executar a política nacional, segundo o vice cacique, o respeito linguístico e cultural sempre foi uma demanda dos povos indígenas.
Na aldeia Cinta Vermelha Jundiba, por exemplo, segundo o cacique To’ê, há uma discussão sobre o uso das plantas medicinais como auxiliares aos tratamentos propostos pelos profissionais de saúde. “A equipe tem seu trabalho, mas é uma equipe que respeita a tradição de cada povo, os costumes de cada povo e a gente mantém ainda nosso conhecimento, de usar as plantas medicinais”, conta.
Tempo de ameaças
Desde o golpe de 2016, a saúde pública no Brasil vem sofrendo com cortes de verbas e ameaças de privatização. Somando a isso, Jair Bolsonaro (PSL) ataca indígenas, como Raoni Metuktire, liderança do povo indígena Kayapó, em discurso na Organizações das Nações Unidas (ONU). Além disso, o governo federal chegou a culpar os indígenas pelas queimadas na Amazônia e o próprio presidente afirmou, em agosto deste ano, que, se depender dele, não haverá mais demarcação de terra indígena.
“Infelizmente estamos num momento crítico. Para nós, isso é um desastre, nós todos estamos perdendo, não só as comunidades tradicionais, ou as minorias, ou a classe pobre. Hoje a gente está em defesa da mãe terra, em defesa do mundo, do bem viver”, reflete o cacique To’ê Pankararu.
Edição: Joana Tavares