25/01/2025
Fonte:https://www.mpmg.mp.br/portal/menu/comunicacao/noticias/seis-anos-apos-a-tragedia-que-matou-272-pessoas-memorial-brumadinho-e-inaugurado.shtmlO Memorial é uma conquista para os familiares das vítimas, que, com o apoio irrestrito do Ministério Público de Minas Gerais, travaram uma luta árdua para fazer da existência do espaço, uma realidade
“Paredes grossas, duro, severo, monocromático. Não faz concessão à requinte e a glamour. O que aconteceu é muito sério e muito dolorido”. Esta foi a descrição do arquiteto Gustavo Penna para o Memorial Brumadinho, inaugurado neste sábado, 25 de janeiro, em homenagem às 272 vítimas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido há seis anos.
O espaço contempla 272 vítimas, incluindo duas mulheres grávidas. A grande maioria eram funcionários da própria barragem, cujos riscos foram ignorados pela Vale S.A. e pela TÜV SÜD, empresa alemã responsável pela certificação da segurança da estrutura.
O evento contou com a presença de representantes da sociedade civil, das instituições públicas e de familiares das vítimas, sendo um momento de reflexão sobre o maior desastre ambiental do Brasil e o quarto maior do mundo em número de vítimas fatais. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio de sua atuação firme, denunciou as empresas e 16 ex-diretores envolvidos, embora até o momento não tenha ocorrido qualquer condenação criminal.
Para o procurador-geral de Justiça, Paulo de Tarso Morais Filho, o Memorial Brumadinho vai muito além de um espaço físico. “Este é um símbolo de dor, saudade e resistência. É um lugar para lembrar as 272 vidas interrompidas de forma tão trágica e covarde. Cada nome, cada história que aqui é preservada carrega a angústia da perda e o vazio deixado na vida de tantas famílias. Mais do que uma homenagem, este memorial é um compromisso com a verdade, com a memória e com a justiça. A tragédia de Brumadinho jamais poderá ser esquecida, e o Ministério Público de Minas Gerais seguirá firme e determinado na busca por respostas e pela punição dos responsáveis. Este espaço nos lembra que a dor dessas famílias é também a nossa dor e que a luta por dignidade e reparação não cessará enquanto não houver justiça plena.”, destacou.
A criação do memorial foi uma demanda dos próprios familiares das vítimas, organizados na Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum). A mobilização resultou na formalização de um Termo de Compromisso em agosto de 2023, entre a Vale, a Avabrum e o MPMG, que garantiu a constituição da Fundação Memorial de Brumadinho.
A cerimônia
O memorial será administrado pela Fundação Memorial Brumadinho, instituição de direito privado sem fins lucrativos, criada em 2023, após um acordo no MPMG, entre a Vale e a Avabrum, garantindo a representatividade dos atingidos na governança do sítio de memória.
Inaugurando os discursos da cerimônia, a presidente da Fundação, Fabíola Moulin Mendonça, afirmou que o MPMG teve papel fundamental na implementação do projeto. “O Memorial será uma instituição permanente, aberta ao público, sem fins lucrativos e a serviço da sociedade, proporcionando experiências diversas para a educação, fruição e partilha de conhecimentos e afetos. Quero agradecer profundamente o Ministério Público. Agradecemos na pessoa da promotora de Justiça da Comarca de Brumadinho, Ludmila Costa, que nunca poupou esforços para chegarmos neste momento tão importante de entrega do memorial aos familiares, à comunidade de Brumadinho e à sociedade”, enfatizou.
Conforme Kênia Paiva Silva Lamounier, representante da Avabrum, o memorial é o lugar de destinação para os restos corpóreos. “Somos um grupo de pessoas que colocou a dor no bolso e seguiu em frente. Este espaço é necessário, mas a gente sabe como dói estar aqui. Nós não precisaríamos estar aqui se alguém tivesse pensado diferente. Se alguém tivesse temor a Deus, respeito pela vida e respeito pelas regras, isso aqui não precisaria ter sido construído. A gente está aqui porque um crime foi cometido. Agradecemos a todos que acreditaram que era necessário dar uma destinação justa e digna aos restos corpóreos que estavam no IML e tantos que ainda poderiam chegar”, destacou.
O Memorial Brumadinho surge como um símbolo da tragédia e como um ato de resistência e de preservação da memória das vítimas e do compromisso com a justiça. Ao longo dos anos, será um local de reflexão sobre a violência ambiental e a luta pela verdade e pela reparação.
A presidente da Avabrum, Nayara Cristina Dias Porto Ferreira, lembrou o que estaria fazendo caso a tragédia não tivesse acontecido. “Eu não queria estar aqui. Hoje é sábado e eu estaria, agora, deitada num colchão. O meu marido estaria jogando vídeo game e eu dormindo do lado dele. Era isso que a gente fazia quando a gente estava junto, a maioria das vezes. Eu queria que ele estivesse aqui comigo”, disse, emocionada. Ainda conforme a presidente, a Avabrum lutará até que Justiça seja feita. “Lutaremos pelo tempo que for necessário para que a verdade seja ainda mais revelada e que a Justiça seja feita. Essa é a nossa luta!”, afirmou.
Ao final da cerimônia, o governador Romeu Zema afirmou acreditar que o local será um dos mais visitados de Minas Gerais e do Brasil. “Não temos nenhum lugar carregado de tanto significado e tanto simbolismo”, concluiu.
O memorial contará com um bosque com 272 ipês amarelos, representando cada uma das vítimas, além de uma escultura-monumento, um espaço para meditação, uma drusa de cristais e duas salas de exposição. O espaço também abriga um local dedicado à guarda digna e honrosa dos resquícios e corpos das vítimas, configurando-se como um memorial in situ – ou seja, um espaço de memória no exato local onde o desastre ocorreu. Esse modelo é semelhante ao de outros marcos históricos mundiais, como o do 11 de setembro, em Nova York; o de Auschwitz, na Polônia, e o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro. A proposta tem o objetivo de garantir que a memória do ocorrido seja preservada, não apenas como um ato de lembrança, mas como um compromisso ético de reflexão sobre a violência sofrida pelas vítimas e o impacto ambiental devastador do ocorrido, para que não aconteça mais nada parecido.
As buscas e as identificações
Das 272 vítimas, três ainda não foram identificadas. Seis anos após a tragédia, o corpo de bombeiros continua as buscas, na maior operação da história. Os militares são deslocados de todas as regiões do estado para que haja um efetivo de 20 homens trabalhando nas buscas todos os dias. Neste sábado, completaram-se 2.193 dias de buscas pelos segmentos de Tiago Tadeu Mendes da Silva e Nathália de Oliveira Porto Araújo, funcionários da Vale, e Maria de Lourdes da Costa Bueno, que estava hospedada na pousada desaparecida na avalanche de lamas.
No Instituto Médico Legal André Roquette, os trabalhos de identificação também continuam. O médico-legista Ricardo Moreira Araújo esteve na solenidade e explicou que os trabalhos do IML são direcionados à equipe de antropologia forense. “Atualmente tem predominado a identificação pela tecnologia do DNA. Infelizmente, os resultados têm identificado as vítimas novamente. Muitos casos são caracterizados como inconclusivos, porque após empregada toda a tecnologia, não é possível identificar a quem pertence o segmento”, conclui.
Veja mais fotos da cerimônia
Fotos: Eric Bezerra/MPMG