18/04/2023
Indígenas pagam mais caro no comércio e ainda têm cartões de benefícios sociais roubados
“Aqui, o nosso povo sempre foi enganado pelo não indígena. Os comerciantes não vendem no preço certo. Fazem o preço da cabeça deles, roubando. O carro custa R$ 20 mil, eles vendem por R$ 40 mil. Celular de R$ 500, eles vendem por R$ 2.000. Tem refrigerante de R$ 8, e vendem por R$ 15”. O desabafo, em tom de denúncia, é do professor Marilton Maxakali, que recebeu a equipe de O TEMPO na Aldeia Pradinho, onde vive com cerca de 1.100 indígenas, em Bertópolis. Formado em ciências sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marilton conseguiu vencer a barreira do idioma, mas vê com frequência seus parentes serem enganados quando precisam ir às compras.
O fato de a maioria dos Maxakali não falar português, ou mesmo os que falam não dominarem o idioma, torna-os presas fáceis para golpistas e comerciantes desonestos das cidades vizinhas às aldeias, no Vale do Mucuri. Segundo Marilton, um primo, vereador em Bertópolis, levou um prejuízo de mais de R$ 17 mil com um falso vendedor de carros. “Ele pegou o dinheiro da entrada, mas não passou o documento. Depois, veio aqui e levou o carro de volta”, conta.
O procurador Francisco de Paula Vitor, titular do segundo ofício da Procuradoria da República de Teófilo Otoni, explica que comerciantes e golpistas se apropriam de cartões de benefícios dos indígenas. “Na prática, são bandidos. Retêm o cartão, sacam valores e fazem empréstimos de benefícios previdenciários dos indígenas e devolvem uma porcentagem menor a eles”, explica.
“Até os cartões do Bolsa Família vão parar em mãos de estelionatários que sequer têm comércio na cidade”, acrescenta Rodrigo Horta, coordenador da Procuradoria da República de Teófilo Otoni, que atua há mais de dez anos combatendo crimes contra os Maxakali.
Em novembro passado, a Polícia Federal, junto do Ministério Público Federal (MPF), cumpriu sete mandados de busca e apreensão por estelionato, ameaça, apropriação indébita e extorsão a indígenas. Em 2020, mais de cem cartões bancários e de benefícios sociais dos Maxakali foram tomados dos criminosos e devolvidos. “A lida com dinheiro para eles é complexa porque a cultura é diferente. Essa coisa do guardar, do economizar, é uma dimensão diferente. O consumo para eles é imediato. Na problemática dos cartões, é um ponto que dificulta”, diz o procurador Francisco de Paula.
As primeiras demarcações de território foram na década de 1950, quando a Fundação dos Povos Indígenas (Funai) comprou duas fazendas e as doou aos Maxakali. Ainda assim, as áreas são alvo de conflito com fazendeiros, que ignoram a delimitação e colocam gado no pasto vizinho. Para o professor Marilton Maxakali, não adianta chamar a polícia, pois a prática criminosa sempre volta. A PF, atendendo ao MPF, instaurou inquérito para apurar as invasões. No fim de 2022, quatro fazendeiros foram intimados.