Serra da Serpentina e o modelo predatório de mineração

20/07/2023

Célia Xakriabá é deputada federal (PSOL-MG)

Fonte:https://www.otempo.com.br/opiniao/celia-xakriaba/serra-da-serpentina-e-o-modelo-predatorio-de-mineracao-1.3059973

Mais um empreendimento nocivo à saúde e ao meio ambiente

Célia Xacriabá.jpg - Foto: Ilustração/O Tempo

No início deste mês, estive mais uma vez na cidade de Itabira, que, desde os tempos de Drummond, já sofria com impactos da mineração. Há décadas, o poeta já nos lembrava de que o rio deveria ser Doce, e a Vale, amarga. Já questionava quantas toneladas de ferro ainda exportaríamos sem berro e sobre uma dívida social, ambiental e territorial eterna. Este é um dos legados presentes em várias cidades em nosso Estado, e é urgente olhar para o atual modelo de mineração e toda a destruição que chega com ele.

O novo empreendimento minerário da Vale na região de Itabira fica na serra da Serpentina e atravessa a bacia do rio Santo Antonio, importante afluente do rio Doce. O nosso Watu, como chamam os Krenak, já foi sacrificado uma vez. Quantas mais serão necessárias para que repensemos definitivamente o modelo e a relação de Minas Gerais com a mineração? Em nossa última visita a Itabira, nos encontramos com representantes de movimentos sociais, com a comunidade local, representantes de comunidades quilombolas e povos indígenas. Todos impactados pelo novo megaprojeto da Vale. Digo aqui de mais de 17 localidades e danos irreversíveis.

O megaprojeto da empresa Vale para a serra da Serpentina prevê, segundo os estudos ambientais até então divulgados, a instalação de uma lavra a céu aberto em Conceição do Mato Dentro (que já abriga o empreendimento Minas-Rio com o maior mineroduto do mundo), associada a uma cava principal e a outras 18 cavas-satélite. As cavas ocuparão cerca de 30 km em extensão linear ao longo da serra da Serpentina. Pela previsão dos estudos da própria empresa, serão retirados 47 milhões de toneladas de minério de ferro bruto por ano, ao longo de 39 anos. Vai dar para encher cerca de 470 mil vagões de trem por ano e 18,33 milhões de vagões até o final do projeto.

Outros milhares de hectares onde hoje avistamos vegetação e que também são territórios de comunidades locais devem ser invadidos por rejeitos de mineração. Além disso, falamos aqui da instalação de um mineroduto de 115 km de extensão e que custará 8,6 bilhões de litros de água por ano e 335 bilhões de litros até o fim do projeto. Falo aqui de uma quantidade de água que abasteceria 160 mil pessoas com água potável. Falo aqui de uma região importante para os biomas do nosso Estado.

Falo aqui de tradições, de modos de vida e, principalmente, de um empreendimento que desconsidera tecnologias sociais e ancestrais que ainda podem barrar as mudanças climáticas e garantir a vida na Terra. Sim, são os povos e comunidades tradicionais, os indígenas, os agricultores e agricultoras familiares que têm a saída para a humanidade. E, se há alguma forma de desenvolvimento que não seja para destruir, é preciso primeiramente considerar esses modos de vida.

O passado já nos mostrou que o caminho predatório que a mineração trilha em nossas montanhas gerais não é viável. Os roedores de montanha já fizeram de Itabira uma cidade impactada – socialmente, tradicionalmente, financeiramente e psicologicamente. Não seria hora de pensarmos em alternativas econômicas, em alternativas à mineração? Não seria hora de rever todo o estrago deixado até agora?

Não podemos seguir tentando curar um mal com a mesma enfermidade. Se queremos pensar em um futuro, em um Estado rico em água, em riquezas naturais e que garanta uma vida digna para as próximas gerações, o chamado é agora. O chamado é pela vida. O chamado é por direitos. Contra a mineração, estamos trazendo a mulheração.

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