14/01/2022
A pouco mais de um mês do fim do prazo estipulado pela legislação ambiental de Minas Gerais, foram desativadas apenas cinco das 54 barragens com estruturas semelhantes às que romperam nos dois maiores desastres causados pela mineração, em Brumadinho, em 2019, e em Mariana, em 2015.
Em 25 de fevereiro de 2019, um mês após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, foi aprovada em Minas a lei conhecida como “Mar de Lama Nunca Mais”. A legislação instituiu um prazo de três anos para que todas as barragens a montante em Minas fossem desativadas por meio de um processo chamado de descomissionamento. O prazo para que isso ocorra acaba em 25 de fevereiro deste ano.
Até o momento, apenas cinco das 54 barragens mapeadas em 2019 foram descomissionadas, segundo a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. A pasta admite que as mineradoras responsáveis por 42 delas já afirmaram que não irão cumprir o prazo.
Faltando pouco mais de 40 dias para o fim do prazo, o governo de Minas Gerais ainda não sabe o que irá fazer para punir as mineradoras que não cumpriram a lei.
“A lei 23.291/2019, ao determinar a descaracterização das estruturas, não determina quais serão as penalidades cabíveis aos empreendedores que descumprirem o prazo. A Feam [Fundação Estadual do Ambiente] está em tratativas com a Advocacia Geral do Estado, no sentido de subsidiar possíveis ações judiciais a serem adotadas caso as empresas não atendam ao prazo determinado”, diz a Secretaria de Meio Ambiente em nota.
A pasta ainda ressalta que não irá agir de imediato. “As medidas, no entanto, só serão tomadas após o vencimento do prazo”, completa. Apesar disso, cabe ao governo de Minas Gerais regulamentar de que forma serão aplicadas as punições, segundo especialistas consultados pelo UOL.
O método de construção conhecido como alteamento a montante é o mais barato, porém possui os maiores riscos de rompimento. Quando os rejeitos atingem um nível próximo ao dique inicial criado para conter o material descartado no processo de mineração, a mineradora constrói novos degraus para aumentá-lo —processo conhecido como alteamento.
No caso das barragens feitas a montante, esses novos degraus são construídos sobre a pilha de rejeitos.
O fim desse tipo de barragem também foi determinado em 2019 pela ANM (Agência Nacional de Mineração) —entidade reguladora do setor em âmbito federal.
De acordo com dados da ANM, a cidade mineira com mais barragens que precisam ser desativadas é Ouro Preto, com nove no total.
Duas dessas barragens se encontravam no nível de emergência mais alto de acordo com o último “Report Trimestral de Descaracterização de Barragens A Montante”, divulgado pela ANM em novembro. Nesses casos, há risco iminente de rompimento.
Palco dos desastres, Mariana e Brumadinho ainda têm barragens sem serem desativadas. São, respectivamente, cinco e duas estruturas nessas cidades.
João Grilo, ex-superintendente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), diz que as medidas adotadas para garantir a segurança das barragens não são suficientes.
Em sua visão, todas as barragens existentes em Minas deveriam ser desativadas, com as mineradoras adotando outras estratégias para acomodar os rejeitos.
Uma barragem de mineração pode se dissolver por chuvas extremas, por um vertedouro subdimensionado, por tremores de terra. São diversos motivos que podem levar a isso […] É uma irresponsabilidade muito grande com nossos filhos, porque vamos deixar um monte de bombas-relógio armadas sobre esse povo [que vive no entorno das barragens].”
João Grilo, ex-superintendente do Ibama
A ambientalista Jeanine Oliveira, que integra o Projeto Manuelzão, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, participou da elaboração da lei “Mar de Lama Nunca Mais”. Segundo ela, o texto aprovado pela Assembleia Legislativa de MG e sancionado pelo governador Romeu Zema (Novo) não é perfeito, mas representa avanços.
“Alguns pontos a gente tinha que implementar. Um deles era a proibição de barragens no geral, mas essa a gente não conseguiu. Conseguimos proibir as barragens a montante”, explica.
Ainda segundo ela, as autoridades mineiras mantinham uma relação de subserviência às mineradoras. “A gente não quer que as empresas entrem em falência ou que não venham mais para Minas minerar, mas sim que elas façam o que deve ser feito [em termos de segurança]”, completa.
Dona de 18 das barragens listadas pela ANM, a Vale admite que não irá cumprir o prazo estipulado na lei.
Segundo a mineradora —que era responsável pela barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, cujo rompimento resultou em 259 pessoas mortas e 11 desaparecidas—, sua previsão é de que apenas em 2035 todas as barragens a montante sejam desativadas.
“A atualização mais recente indica que 90% das barragens deste tipo serão eliminadas até 2029 e 100% até 2035. A Vale mantém provisões de cerca de R$ 10 bilhões para o Programa de Descaracterização”, disse a mineradora em nota.
Apesar do prazo dado, a companhia afirma ainda que “um dos pilares do trabalho da Vale no princípio de garantia de não repetição de rompimentos como o de Brumadinho é a eliminação de todas as suas barragens alteadas a montante no país, no menor prazo possível, tendo como prioridade a segurança das pessoas, dos trabalhadores e do meio ambiente”.
Ainda segundo a Vale, todas as suas barragens a montante em Minas já têm “projetos protocolados junto ao órgão estadual responsável e ações em andamento acompanhados pelos órgãos reguladores, Ministério Público e auditorias técnicas independentes”.
Por fim, a Vale ainda diz estar adotando uma série de providências para garantir a segurança das barragens —inclusive aquelas que apresentam alto risco— no processo de descomissionamento, inclusive adotando tecnologias como maquinário operado remotamente, para não colocar trabalhadores em risco.
Representante das mineradoras no estado, a Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais) diz, em nota, que mantém diálogo permanente com as autoridades estaduais e federais, mas que o setor vem alertando a impossibilidade de cumprir os prazos.
“Entidades representativas do setor extrativo mineral em Minas Gerais e o IBRAM já alertam aos órgãos os desafios e impedimentos em relação ao prazo da Lei Estadual. A principal dificuldade é a execução das obras garantindo a segurança da estrutura. Já foi comprovado tecnicamente que a realização das obras, garantindo a segurança total, e, ao mesmo tempo, o cumprimento dos prazos estabelecidos pelas legislações, não é possível em todas as barragens”, diz em nota.
Ainda segundo a Fiemg, há diversas dificuldades para a realização de obras em dezenas de barragens simultaneamente, como a demanda de materiais como brita e areia, além da realização de obras auxiliares como abertura de estradas.