24/08/2015
VARIAÇÕES DO CORPO SELVAGEM – Eduardo Viveiros de Castro é reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes antropólogos da atualidade. Com a teoria do perspectivismo ameríndio, desenvolvida a partir de meados da década de 1990, passou a ter notável influência em outros campos do conhecimento – na estética, na teoria literária, na filosofia política, na filosofia do direito e talvez sobretudo na prática artística. O que poucos de seus leitores sabem é que Viveiros de Castro, antes de ser antropólogo, foi fotógrafo, sendo responsável por algumas das imagens mais emblemáticas do artista plástico Hélio Oiticica e do poeta Waly Salomão, assim como pelas fotografias de cena de filmes do cineasta Ivan Cardoso (de quem também foi roteirista). Esta exposição apresenta pela primeira vez um amplo recorte do trabalho fotográfico de Viveiros de Castro, agrupando cerca de 340 imagens produzidas tanto no período de colaboração
com esses artistas como também, e principalmente, aquelas realizadas ao longo de sua atividade como etnólogo junto aos índios Araweté, Kulina, Yanomami e Yawalapíti. O ponto de intersecção dos dois grandes conjuntos que constituem a exposição está na centralidade do corpo. Trata-se de uma ênfase na corporalidade que está também na origem da reflexão antropológica do autor e que marca todo o seu percurso intelectual – e que, por isso, consideramos decisiva para se compreender a articulação, em sua práxis, entre fotografia e pensamento, arte e antropologia.
Variações do corpo selvagem tem como fio condutor uma concatenação de trechos extraídos de ensaios e entrevistas de Viveiros de Castro. Buscamos, assim, frisar a continuidade entre, de um lado, a reflexão imagética contínua sobre o corpo que constitui sua obra fotográfica e, de outro, suas pesquisas etnológicas e postulações teóricas. Os fragmentos textuais também indicam, esperamos que com sutileza, os diferentes segmentos da exposição. Estes não foram divididos por títulos, uma vez que a ideia é precisamente explorar a fluidez entre um momento e outro do percurso expositivo, com o estabelecimento de diálogos e sobretudo de questionamentos dialéticos entre as seções. Continuidade semelhantemente complexa verifica-se na relação entre as primeiras fotos de manifestações contraculturais artísticas e as posteriores de manifestações culturais indígenas (diferenciadas apenas pelas molduras diversas): há, em palavras do próprio Viveiros de Castro, “ao mesmo tempo descontinuidade radical e continuidade poética” entre, por exemplo, a foto de um dançarino vestindo um parangolé de Hélio Oiticica e a de um xamã araweté. O que está em questão na exposição, ainda segundo o antropólogo-fotógrafo, é “a transformação do ‘Seja marginal, seja herói’ de Oiticica em ‘Não seja pobre, seja índio’”.
Eduardo Sterzi e Veronica Stigger (curadores)
GleiceOliveira Guarani-Kaiowá